Clara Nunes na quadra da Portela, no Rio de Janeiro, em 1981
 -  (crédito: Wilton Montenegro/divulgação/1981)

Clara Nunes na quadra da Portela, no Rio de Janeiro, em 1981

crédito: Wilton Montenegro/divulgação/1981

“Ela tinha o carnaval no sangue”. Quem garante é Márcio Guima, sobrinho de Clara Nunes. Em 1964, a jovem cantora iniciante foi Rainha do Carnaval de Belo Horizonte, com direito a cetro e coroa. Sessenta anos depois, a cidade a homenageia com a exposição em cartaz no Museu da Moda (Mumo), reunindo 50 figurinos, adereços, documentos e fotografias de seu acervo.

 

A mostra “Clara Nunes – Eu sou a tal mineira” destaca a profunda relação da cantora com a cultura brasileira, a religiosidade de matriz africana, a moda e também com o carnaval. Esta semana, a exposição recebeu a visita da Corte Momesca de BH.

 

Quatro décadas após sua morte, Clara é lembrada como uma espécie de símbolo da Portela. No carnaval de 1975, foi intérprete oficial da escola e cantou o samba-enredo “Macunaíma”. Vagner Fernandes, autor da biografia “Clara, guerreira da utopia” (Agir), conta que ela chegou a flertar com a Mangueira, que não lhe deu muita importância.

 

 

“Clara foi parar na Portela por conta de algo singular. Era namorada de Aurino, irmão do cantor Eduardo Araújo, ambos mineiros. Aurino e Carlos Imperial eram grandes amigos. Certa vez, Imperial ficou preso na Ilha Grande por criticar o regime militar, fazendo companhia ao Natal da Portela. Aurino ia sempre visitar o Imperial e acabou se aproximando do Natal, que o convidou a ir à Portela. Quando Natal saiu da prisão, Aurino foi vê-lo e levou Clara com ele. Natal, então, estendeu um tapete vermelho para ela”, diz o biógrafo.

 

“Clara abraçou a Portela e a Portela abraçou Clara. Ela se tornou portelense a partir daquele momento de carinho que a escola lhe proporcionara. De lá nunca mais saiu, até sua morte. Clara puxou samba na Portela por três anos”, comenta Vagner Fernandes.

 

Búzios em adereço de Clara Nunes

Búzios em adereço de Clara Nunes exposto no Mumo

Amanda Amorim/divulgação

 

O escritor ressalta o papel importante da cantora para que fossem reconhecidos os mestres do samba como Candeia, Cartola, Nelson Cavaquinho e Dona Ivone Lara. “Clara foi a primeira a gravar Dona Ivone Lara e torná-la conhecida na grande mídia, com o famoso álbum 'Alvorecer'.”

 

A cantora mineira não conheceu o Sambódromo carioca, inaugurado em 1984. Ela morreu em 1983, aos 40 anos, devido a um choque anafilático ao se submeter a cirurgia de varizes. “A escola a vê como personagem fundamental, como expressão cultural”, resume Vagner Santos.

 

Sobrinho de Clara Nunes, Márcio Guima comenta que a tia estava presente em todos os desfiles da Portela e foi madrinha da Velha Guarda da azul e branca. “Minha tia Maria Gonçalves, que criou a Clara, dizia que o grande sonho dela era cantar na avenida.”


Festa de preto

 

Aguerrida defensora de causas sociais, Clara combateu a misoginia, o racismo religioso e o preconceito racial. “Ela abraça tudo isso, mas não fica levantando bandeira. A própria arte dela e seu repertório já diziam tudo. A forma como se vestia já era um soco no estômago da sociedade preconceituosa em relação às mulheres e àqueles que abraçavam as religiões de matriz africana, aos pretos. A importância de Clara é grande, e o carnaval é uma festa de preto”, afirma.

 

Na exposição em cartaz no Mumo, percebe-se a forte influência africana nas roupas, figurinos e adereços usados pela cantora.

 

“Além de adotar as religiões de matriz africana como algo importante em sua vida, ela buscou fazer de seu trabalho instrumento de conscientização da sociedade sobre a questão do acolhimento. Não digo de tolerância, mas de respeito às religiões de matriz africana”, conclui o autor de “Guerreira da utopia”.

 

Integrante do bloco de carnaval Filhas de Clara

Integrante do bloco Filhas de Clara durante ensaio para o carnaval deste ano em BH

Leandro Couri/EM/D.A. Press

 

Filhas de Clara em fevereiro

 

Formado na capital mineira por mulheres, o bloco Filhas de Clara vai desfilar em 18 de fevereiro a partir das 14h30, com concentração na Avenida Clara Nunes, 88, Renascença, bairro onde a cantora morou entre 1958 e 1964.

 

“Se puder, venha de branco”, convida o bloco em post no Instagram, em alusão ao tradicional figurino da artista.


“CLARA NUNES – EU SOU A TAL MINEIRA”


Exposição do acervo de Clara Nunes. Museu da Moda de Belo Horizonte (Mumo), Rua da Bahia, 1.149, Centro. Aberto de quarta-feira a sábado, das 10h às 18h. Em cartaz até dezembro de 2025. Entrada franca.