Levado ao ar pela Rede Minas desde 8 de junho de 1997, o programa “Alto Falante”, comandado pelo jornalista e músico Terence Machado, sofreu um baque terrível com a morte do apresentador Adriano Falabella, de 71 anos e que comandava o quadro “Enciclopédia do Rock”.
O comentarista e um dos maiores entendedores do gênero partiu no último sábado (13/1), vítima de um abscesso dental que acabou gerando uma septicemia. Figura carismática, o Get Crazy, como era conhecido nos tempos das rádios Terra e 107FM, Falabella era músico amador e um profundo conhecedor do velho rock and roll, chegando a eternizar jargões, como 'Gostas do delírio, baby?'.
A história de Terence com Falabella se deu quando ele ainda era adolescente. “Como todos naquela época, também era fã de rock e ouvia a Rádio Terra, na qual ele se apresentava. Então, minha primeira porta de entrada para conhecê-lo foi ouvir a emissora, e confesso que adorava a forma como ele fazia seus programas. Era um cara talentoso e diferente dos demais que trabalhavam lá. Falabella é aquele tipo de locutor que lhe captura, ou seja, você ouve uma ou duas vezes e já quer saber quem é. Na época, o chamavam de Get Crazy, e eu nem sequer sabia seu nome. Em outro momento, vim a saber, pois o pessoal só falava sobre o tal Get.”
Em meados dos anos 1980, Terence colocou na cabeça que queria ser músico profissional e viver da música. “Comecei, então, a tocar em bandas, acho até que isso foi em 1985, quando o grupo Kamikaze lançou o disco 'Machado de Guerra' (Cogumelo). Aliás, foi Falabella quem lançou aquele álbum, considerado um hino do metal mineiro. Para mim também, pois muita gente que gostava de rock ficou enlouquecida, querendo ter uma banda igual à Kamikaze, com sua música tocando o dia inteiro no rádio. Dava um orgulho danado e muitos diziam: 'Quero ter uma banda igual a essa e seguir essa trilha. Nessa época, eu estava com 14 anos e ia com os amigos em todos os shows da banda. Éramos até os mais novos nos shows dela, porém já enlouquecidos com a música. Aquele disco foi um marco, e foi o Falabella quem o lançou e falou muito dele. Até aí, não conhecia Get.”
Foi por intermédio de um amigo chamado Fernando “Tanando” Lemos que Terence ficou sabendo mais sobre Falabella. “Tanando era meu vizinho, e quando comecei a tocar bateria, foi me levando para ver shows de suas bandas. Vimos que tínhamos algumas coisas em comum, embora fosse dez anos mais velho que eu. Ele já conhecia o Falabella pessoalmente e era fã dele. Passados cerca de dez anos, fui levar para o Get um CD demo da minha banda, que se chamava Skip Jack. Acho até que Tanando já havia me apresentado a ele e comentado sobre minha banda.”
“Na verdade, Tanando foi uma ponte nessa minha amizade com Falabella, que sabia tudo de rock”, ressalta Terence. “Nos 26 anos em que ficou no 'Alto Falante', tinha pavor quando errava algo sobre o qual estava falando. E quando isso acontecia, dizia: 'Temos de gravar de novo'. Ainda nos anos 1990, entregamos a ele uma demo da Skip Jack, que colocou para tocar na rádio. Na verdade, conheci Falabella mais para perto da década de 1990, pois me lembro que já estava na Skip Jack. Na época, ainda não tinha interesse no jornalismo, queria viver de música, sonho de todo garotão. Lembro-me que eu e Tanando entregamos o CD demo para ele, e ele tocou, isso já na 107FM, pois a Rádio Terra já havia fechado.”
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Encontro na TV
Terence se formou em jornalismo e depois foi convidado para apresentar um quadro sobre música, dentro do programa “Agenda”, da Rede Minas. “E quando houve a virada de chave para o quadro virar um programa, foi muito legal, pois já vinha pensando nessa ideia. E fui pensando também nos quadros que entrariam no programa, pois queria que tivesse essa coisa de revista, com sessões específicas, como lançamentos e entrevistas. E, de novo, Tanando me perguntou, 'Cara, por que você não convida o Falabella? Não há ninguém melhor para fazer isso'.”
Mas Falabella ainda era um ícone no rádio e talvez não aceitasse o convite de Terence. “Todo mundo o conhecia na cidade, só se falava no Get Crazy. Acontece que, no começo do programa, ainda não tínhamos um cachê para dar a ele, que teria que apresentar o quadro de forma voluntária. Pensei que ele não viria fazer o programa. Mas Tanando insistiu, me dizendo: 'Chama, porque ele é um apaixonado, e a TV será uma janela. Depois vocês batalham uma forma de pagá-lo'. O convidei, ele gostou da ideia e, no primeiro programa, já estava lá. Lembro que ele ficou alguma temporada sem receber e alguns meses fora do programa. Ele mesmo disse: 'Poxa, Terence, se não rolar grana fica difícil continuar'. Nem eu queria que ele continuasse trabalhando de graça.”
“Porém, ele vinha conquistando um monte de gente, e a direção da TV se sensibilizou e disse que arranjariam um jeito de pagá-lo, pois acreditavam que Falabella não poderia ficar fora do vídeo”, lembra Terence. “Então, ele voltou e nunca mais saiu. Teve essa história lindíssima, com o 'Alto Falante' que entrou para a Rede Nacional, com apenas dois anos no ar. Foi o primeiro programa mineiro a ganhar exibição nacional na TV Cultura, ficando de 1999 até 2009. Colocaram o programa como musical do Gastão, que havia saído da MTV, e isso pegou uma galera jovem. Era apresentado no mesmo horário do programa 'Altas Horas'.”
Terence conta que a própria direção da TV Cultura dizia que o 'Alto Falante' ia muito bem, com muita gente escrevendo para o programa. “Foi também uma época na qual começamos a viajar para cobrir os festivais que estavam na efervescência. Em todo lugar que ia, me perguntavam: 'Você não vai trazer o Adriano Falabella, a Enciclopédia do Rock?'. A repercussão do programa era muito grande no Brasil todo. O carisma e o talento do Falabella pegavam todo mundo. Ele pegou gerações de roqueiros no país inteiro, inclusive produtores, e muitos já falavam o maior jargão dele: 'Gostas do delírio, baby?'". Além deste, Falabella deixou outros que já estão imortalizados, como “Rock and roll, baby, é pra quem merece” e “Hello, cosmic brothers and sisters!”.
“Ele tinha toda essa coisa do comunicador nato que era, um baita contador de história. Às vezes, romanceava a história e até parecia que estávamos em cena. Contava algo, e parecia que estávamos vendo um filme ou lendo um livro e aí, começávamos a criar imagens em nossas cabeças. Ficávamos ali com ele, com a forma como contava algo, pois era um apaixonando, contando aquele tipo de história. Era uma figura grandiosa, e não me lembro de ninguém na TV brasileira falando de rock como ele. Acho maravilhoso, pois era um cara sempre próximo de muita gente, estava aqui, era nosso amigo, um velho conhecido e um cara que conquistou gente no Brasil inteiro e até no exterior.”
Planos em aberto
Terence explica que, como está recente a partida de Falabella, com a equipe tentando absorver o acontecido, ainda não pensou em uma solução para o problema. “Tem horas em que nem acreditamos que ele partiu. Ainda não fizemos uma reunião para decidir como o programa ficará. Uma coisa é certa, o próximo será um especial sobre ele. Na verdade, seria uma retrospectiva dentro da nossa rotina de janeiro e teria o quadro dele, obviamente, como sempre teve, com ele vivo. Então teria a 'Enciclopédia do Rock', mas derrubamos esse programa. Então, será só com a 'Enciclopédia do Rock', meio que tentando contar a história dele no programa, com várias participações de Falabella, tentando mostrar quem ele era, das bandas que mais gostava e montando isso de alguma maneira cronológica, da primeira participação dele até a última, mostrando recortes desses 26 anos dele no 'Alto Falante'.”
Terence considera que Falabella era mais um artista do que um comunicador. “Quando alguém morria, dizia: 'O artista se vai, mas a obra fica'. Acho que isso vale para ele também. Inclusive, a vida dele foi parecida com a de um rock star, só que seu palco era a TV. Ele viveu como um rockstar loucamente e morreu como tal. Essa coisa do roqueiro mesmo, meio vida louca. Deixa um legado maravilhoso, pois a 'Enciclopédia' é nossa fonte de pesquisa. Hoje é o Google, mas já foi a 'Enciclopédia'. Ele deixou uma vasta 'Enciclopédia do Rock' gravada, e acho que esse legado tem quer ser bem explorado e reverberado por mais um tempo.”
“Quanto tempo, não sei dizer, porque é muito difícil, pois essa decisão não é só minha, passa pela direção da Rede Minas”, explica Terence. “Enquanto estiver lá, quero ter um cuidado especial com esse legado, com essa obra que ele deixou e está lá gravada. É a 'Enciclopédia do Rock' de A a Z, com estilos e temas variados. Penso que, pelo menos, nesse primeiro ano, não podemos deixar de ter uma 'Enciclopédia' em todo programa. Agora, a forma como isso será feito é que a gente tem que descobrir ainda.”
Terence esclarece que não queria que fosse somente uma reprise, pois acha que teria que ter um contexto. “Tem que ter uma fala, alguma coisa, pois ele já não está mais aqui. Teria que ter uma certa introdução. Por exemplo, neste mês vamos falar dos guitarristas ou bandas preferidas de Falabella, algo assim. Ainda que seja um recorte temático, tem que ter esse link de falar algo, pois o 'Enciclopédia' se tornará um tributo a ele, ao trabalho dele e ao que nos deixou. Não pode ser somente entrar no quadro, como se ele estivesse vivo e falar de uma banda. Acho que tem que ter essa contextualização, essa introdução e esse caráter de tributo a ele.”