Lançada após a morte de William Shakespeare (1564-1616), a peça “A tempestade” é considerada o último trabalho do dramaturgo britânico em vida. Na trama, Próspero, o duque de Milão por direito, luta com o próprio irmão, Antônio, que o destituiu do cargo.
Para comemorar suas três décadas, a Trupe de Teatro e Pesquisa decidiu trazer a história, que ocorre originalmente numa ilha deserta, para o sertão brasileiro. Sem mares e lendas do hemisfério norte, a tempestade shakespeariana virou “O toró”, em cartaz no Teatro Feluma nesta segunda (22/1), às 20h.
“'O toró' vem de um trabalho que eu já desenvolvia com o grupo. Queríamos fazer algo especial e divertido para as comemorações dos nossos 30 anos e percebemos que não tínhamos montagem de Shakespeare na história da companhia”, explica o diretor Yuri Simon.
O primeiro passo foi buscar paralelos capazes de ambientar a história no sertão sem alterar os rumos do enredo. “Para trazer a mineiridade, começamos a ver aspectos do texto original. Tudo se passa em uma terra isolada, uma ilha, então teríamos de ter água. Logo pensamos no Rio São Francisco, o 'mar do sertão'”, diz Yuri.
Paralelos imagéticos
Fiel a Shakespeare, o espetáculo começou a se moldar diante da grandiosidade do Velho Chico. “Não chamamos de adaptação, mas de nossa versão, porque a história é a mesma. Há paralelos imagéticos que se pode construir. A questão dos naufrágios é muito presente no Rio São Francisco, principalmente no auge da navegação no final do século 19 e início do século 20”, observa o diretor.
Apostando em metáforas, a Trupe construiu coletivamente sua versão. Em vez de criaturas fantásticas e entidades gregas, são as entidades dos povos indígenas e das crenças religiosas brasileiras que influenciam a disputa entre Próspero e Antônio.
“Trabalhamos com algumas traduções em português, mas não gostamos, porque cada tradutor dava interpretação diferente da história geral, seguindo as próprias referências. Fomos direto no inglês e decidimos fazer nós mesmos a tradução para as figuras de linguagem de Minas Gerais”, explica o diretor.
“Uma figura fantástica do texto original é o caçador com seu cachorro, avistados quando se olha para a Lua. Isso não tem nada a ver com a cultura mineira, muito menos com o Brasil. Então, a cena muda para Jorge e seu cavalo.”
“Shakespeare fazia montagens em que o palco era cenário único, sem muitos elementos cênicos. Tudo era simbólico. O que mais difere nossa versão da dele são as projeções que usamos para contextualizar a ambientação, seja a paisagem do sertão, a beira do rio, a caatinga, o cerrado e até mesmo a Mata Atlântica”, detalha.
Figurino sustentável
Professor de figurino na Escola de Design da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg), Yuri deu aos alunos a missão de criar as roupas, todas sustentáveis e inspiradas no São Francisco. Os personagens têm os rostos pintados como carrancas. “Utilizamos a pintura para representar essas figuras fantásticas”, diz.
“O toró” estreou em outubro de 2023 e, segundo Yuri, foi um sucesso. Agora, faz sua última apresentação na Campanha de Popularização do Teatro e Dança. “É um espetáculo muito leve. São duas horas que o público nem vê passar. Ele se diverte muito”, garante.
“O TORÓ”
Com Trupe de Teatro e Pesquisa. Nesta segunda-feira (22/1), às 20h, no Teatro Feluma (Alameda Ezequiel Dias, 275, 7º andar, Centro). Ingressos: R$ 60 (inteira), na bilheteria do teatro, e R$ 25, nos postos da Campanha de Popularização. Informações: (31) 3248-7250
* Estagiária sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria