Foi com certo esforço que Vera Holtz concluiu a leitura do livro "Sapiens - Uma breve história da humanidade", do professor e escritor israelense Yuval Harari. "Depois da página 300 (o bestseller tem 470) é que o livro começa a te seduzir. Acabei dando ele de presente para muita gente. Acompanhei a leitura de amigos, e teve gente com dificuldade no início. Tem quem não entenda que a gente é metade DNA, metade nossas escolhas."
A atriz recebeu, com surpresa, a notícia de que o dramaturgo e diretor Rodrigo Portella havia topado adaptar o livro sem nunca ter lido a obra. "Meu Deus, ele tem noção do que fez?", pensou ela na época. Neste momento, já estavam todos no mesmo barco.
O barco, na verdade, teve início com Felipe Heráclito, que havia comprado os direitos para adaptação, convidado Portella para escrever e dirigir, e Vera para protagonizar. É, em essência, um monólogo, mas a atriz tem um companheiro em cena o tempo inteiro: o músico italiano Federico Puppi, que, a bordo de violoncelo, executa a trilha em cena.
"Ficções" estreou em setembro de 2022 no Rio de Janeiro. O espetáculo tem tido sempre casa cheia. Em Belo Horizonte, fez uma concorrida temporada de um mês (de abril a maio do ano passado), no CCBB. Já no encerramento, em 8 de maio, Vera anunciou uma nova temporada - que será nesta semana, de quarta (24/1) a sexta (26/1), no Grande Teatro do Sesc Palladium, que tem cinco vezes a capacidade do CCBB. Há poucos ingressos disponíveis.
LEITURAS VARIADAS
A obra de Harari permite várias leituras. Portella teve que encontrar o recorte que lhe interessava, que vem da capacidade humana de criar ficções e acreditar nelas: deuses, dinheiro, nações, leis. "Ele teve rejeição (pelo livro), depois se apaixonou. A gente chamava o espetáculo de 'Fricções', pois vinha dessa relação dele com a obra. Da fricção do encontro saiu 'Ficções'", continua a atriz. Ter uma narradora mulher foi uma condição sine qua non desde o início do processo.
Em cena, Vera se desdobra em vários personagens - "conversa" com Harari, instiga a plateia, se relaciona com Puppi. O italiano, radicado no Brasil desde 2012, conheceu sua companheira de cena quando os ensaios começaram. "No começo, houve muito improviso musical. A ideia foi fazer um diálogo entre a palavra e a música, duas formas de linguagem que vão se complementando", diz ele. Foram apenas 40 dias de ensaio - e o texto final foi sendo lapidado nesta fase.
"A estrutura não é clássica, nem linear. E é muito permeável para a plateia. O livro fala sobre a humanidade, e não é necessário tê-lo lido para entender. A peça é que vai conduzir as pessoas, já que os assuntos tratados estão dentro da vida cotidiana de cada um", afirma o músico.
Vera comenta sobre os diferentes públicos: "Algumas pessoas são atraídas pela presença da atriz. E Vera Holtz é muito familiar. Tem muita gente também que leu o livro, professores, pessoas que ficam felizes de o teatro tratar de questões filosóficas e científicas. E há ainda gente que não leu o livro e no começo fica assustada com a peça. Mas, em algum momento, as pessoas se plugam ao espetáculo. O texto traz fendas de compreensão. Acho que este encontro feliz é que caracteriza o interesse pela obra, que acaba ficando um popular erudito."
No próximo dia 30, a equipe vai para Portugal. Originariamente, a produção só tinha os direitos da adaptação para o Brasil. Depois de novas negociações com Harari, conseguiram o aval para encená-la em Portugal. Serão dois meses no país europeu, a partir de 7 de fevereiro, começando com uma temporada no Teatro Tivoli, em Lisboa, que está comemorando seu centenário. Depois, a equipe viaja para cinco cidades portuguesas. No retorno ao Brasil, nova temporada, a partir de maio, em São Paulo. Já no final de agosto, "Ficções" parte para uma série de datas no Nordeste.
"O texto é uma engrenagem, como uma partitura ‘amarradérrima’, pois foi montada com muito rigor. Cada espetáculo é único, e ele é muito vivo. Convidamos as pessoas para uma reflexão", finaliza Vera.
PUBLICAÇÃO NO INSTAGRAM
Há 10 dias Vera Holtz teve sua primeira vez no Instagram. "Eu tinha pavor de dar o ‘enter’ na publicação", diz a atriz, que finalmente fez uma postagem sozinha. Em "Para Julieta", a atriz fez uma homenagem à artista venezuelana Julieta Hernández, de 38 anos, a palhaça Jujuba, assassinada no Amazonas por um casal. "O caso da Julieta foi muito dolorido. Ela fazia um trabalho humanitário, tinha uma grandiosidade absurda", diz Vera.
Com 1, 2 milhão de seguidores, ela tem sua conta no IG desde 2015. Ao contrário da maioria de seus pares, não utiliza a rede como autopromoção. "O Instagram é minha galeria de arte. Sou formada em artes plásticas, sempre me interessei mais por arte conceitual e contemporânea", afirma ela, que faz performances com a ajuda dos amigos - o principal deles, o arquiteto Renato Santoro, que assina boa parte das fotos.
Nos comentários, volta e meia tem algum fã que diz que adora, mas não entende muita coisa. "Gosto quando não entendem nada, pois a gente não tem que ter uma compreensão óbvia de tudo. Se não entende mas sente, você acaba educando seu olhar."
“FICÇÕES”
Desta quarta (24/1) a sexta (26/1), às 20h, no Sesc Palladium, Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro.
Ingressos: R$ 21,50 a R$ 170 (à venda na bilheteria e no Sympla).