Os sul-coreanos Hae Sung (Teo Yoo) e Nora (Greta Lee), que se apaixonam na adolescência, depois tomam caminhos distintos; trama é baseada na história da diretora -  (crédito: CALIFÓRNIA FILMES/DIVULGAÇÃO)

Os sul-coreanos Hae Sung (Teo Yoo) e Nora (Greta Lee), que se apaixonam na adolescência, depois tomam caminhos distintos; trama é baseada na história da diretora

crédito: CALIFÓRNIA FILMES/DIVULGAÇÃO

Conceito coreano, "In-Yun" poderia ser traduzido como destino. Em uma explicação mais ampla, ele acompanha pessoas que estão fadadas a se cruzar, repetidas vezes, ao longo de ciclos de vida e reencarnação. "Se duas pessoas se casam, dizem que é porque houve 8 mil camadas de In-Yun. Mais de 8 mil vidas", ensina Nora a Arthur.

Não tem como ele entender perfeitamente o conceito, já que é um judeu nova-iorquino, diferentemente dela, uma jovem coreana que emigrou duas vezes, primeiramente para o Canadá e, em um segundo momento, para os Estados Unidos.

É este conceito, estranho para a cultura ocidental, que norteia "Vidas passadas", estreia na direção de Celine Song. As duas indicações ao Oscar (melhor filme e roteiro original, escrito por ela, a partir de sua própria experiência), ressaltam as qualidades de uma das mais maduras e inventivas narrativas românticas dos últimos tempos.

O longa é aberto com três pessoas em cena. O trio está ao fundo do bar de um restaurante, e o que ouvimos são os comentários de um casal (que não chegamos a ver) que está no mesmo lugar. O homem e a mulher orientais conversam animadamente, enquanto o homem branco, como a dupla se refere a ele, permanece de lado, quase esquecido. Qual seria a história deles?

A partir deste ponto de partida, a história retrocede 24 anos. Estamos agora em Seul, em meados dos anos 2000. Na Young (Seung Ah Moon) está apaixonada pelo colega de escola, Hae Sung (Seung Min Yim). Já resolveu inclusive que vai se casar com ele – e é correspondida. Os dois brincam em uma escultura no parque, onde são observados pelas respectivas mães. O "namoro" não tem futuro algum, a família de Na Young está de malas prontas para o Canadá – sem passagem de volta.

Doze anos depois, a menina Na Young deu lugar à jovem Nora (Greta Lee), estudante em Nova York que está dando início à carreira de dramaturga. Enquanto conversa com sua mãe (Ji Hye Yoon), a única pessoa com quem fala em coreano, decide procurar seu namorado de infância no Facebook. Descobre que ele já tentou fazer contato com ela.

Hae Sung (Teo Yoo), por seu lado, permaneceu em Seul. Estudante de Engenharia, bebe com os amigos de sempre, vive com os pais. Na Young não existe mais, até mesmo sua mãe a chama de Nora. Mas, no primeiro contato pela internet com Hae Sung, o mundo que os separa nestes 12 anos desaparece.


ENCONTROS VIRTUAIS

Eles conversam via Skype, não faz diferença que o fuso horário seja horrível. São dias e dias falando e está claro que o romance está mais do que azeitado, apesar da distância. Até que Nora dá um basta: "Quero me comprometer com a minha vida aqui". Mais 12 anos se passam e, finalmente, Hae Sung e Nora vão se encontrar. Ele vai a Nova York encontrá-la – só que ela está casada com Arthur (John Magaro).

E é a partir deste encontro sonhado tantos anos antes que a história criada por Celine Song se torna mais interessante. O que era um tanto claro no passado (o amor das duas crianças, as conversas animadas dos jovens via internet) ganha outras nuances no tempo presente.

É, de fato, uma tentativa de compreender como as memórias podem acabar transformando os outros. Seriam eles apenas projeções para os nossos desejos? O que poderia ter acontecido se a família de Nora não tivesse deixado Seul, se Hae Sung não fosse tão coreano (como ela se refere a ele), quase irreal de tão romântico e ingênuo? É um mundo de possibilidades, que o filme explora de forma engenhosa.

A passagem do tempo nos remete rapidamente à trilogia de Richard Linklater ("Antes do amanhecer", "Antes do pôr-do-sol" e "Antes da meia-noite", com Ethan Hawke e Julie Delpy). Só que, ali, era o amor realizado em diferentes fases da vida. Em "Vidas passadas", não; somente o que poderia ter sido.

Habilmente, a diretora mantém Nora e Hae Sung separados um do outro na tela a maior parte do tempo. Quando estão juntos, é numa Nova York chuvosa em meio aos cartões postais – a ponte do Brooklyn e o carrossel, o passeio de barco para Ellis Island para conhecer a Estátua da Liberdade. Há também muitos momentos de silêncio – aqui, a maneira como a dupla de protagonistas se olha nos dá a impressão de que há uma longa história de fundo.

Não há respostas prontas para o amor, é o que "Vidas passadas" parece nos dizer o tempo todo. Um bom exemplo vem da fala de Nora quando Arthur, o marido que tenta compreender a situação, lhe pergunta se está feliz com ele. "É aqui que eu deveria estar", ela sai pela tangente.

“VIDAS PASSADAS”
(Coreia do Sul/EUA, 2023, 105 min.). Direção: Celine Song. Com Greta Lee, Teo Yoo e John Magaro. Em cartaz no Centro Cultural Unimed-BH Minas 2, às 16h10; Ponteio Premier, às 16h25; Ponteio 2, às 21h15; UNA Cine Belas Artes 1, às 16h30 e 18h30.