“Janela ou corredor?” Foi com essa pergunta, uma pegadinha feita por videoconferência, que os atores de “A sociedade da neve” souberam que tinham sido escalados para o filme de J. A. Bayona. O registro dos intérpretes ante a boa notícia (há reações impagáveis) está em “A sociedade da neve: Quem fomos na montanha”, recém-chegado à Netflix.
Apresentado como um documentário, é na verdade um making of sobre o longa espanhol indicado aos Oscars de Filme Internacional e Cabelo e Maquiagem.
As duas nomeações só fizeram aumentar o interesse pela história que reconstitui, com rigor e emoção, o caso dos sobreviventes nos Andes – ou os 16 uruguaios, dos 45 embarcados em voo que caiu em outubro de 1972 na maior cordilheira do mundo, que resistiram às piores condições possíveis durante 72 dias.
“A sociedade da neve” é, atualmente, o quarto filme em língua não inglesa mais assistido na história Netflix. A posição poderá aumentar nas próximas semanas, já que o ranking corresponde à audiência nos primeiros 91 dias de seu lançamento – e o filme não completou nem um mês no ar.
É interessante ver como o longa foi realizado. Pré-produção e filmagem foram durante a pandemia – a visita inicial ao Vale das Lágrimas, local nos Andes onde o avião caiu, foi em outubro de 2021. Ainda que seja pródigo em imagens da cordilheira andina, as filmagens com o elenco na neve foram em outra cadeia de montanhas, a espanhola Serra Nevada. Os primeiros dias de filmagem foram com dublês, e Bayona fechado em uma cabine – diretor e elenco estavam com COVID.
Boas narrativas baseadas em fatos geralmente levam o espectador a pesquisar. Bayona partiu de “A sociedade da neve” (2009, com nova edição da Cia. das Letras pelos 50 anos do acidente), do escritor e jornalista uruguaio Pablo Vierci, amigo de infância de algumas das vítimas.
O que não falta é material sobre a “Tragédia” ou “Milagre dos Andes”, os nomes mais comuns com que o caso é chamado. Desde vídeos de cunho sensacionalista, que só se atêm à antropofagia praticada pelos sobreviventes, a outras versões da mesma história – tanto ficcionais quanto documentais.
QUEM É O DIRETOR
Cineasta espanhol de 48 anos, J. A. (Juan Antonio) Bayona terminava as filmagens de seu segundo longa, “O impossível” (2012), baseado na história real de uma família que sobreviveu ao tsunami que devastou a Tailândia em 2004, quando leu o livro de Pablo Vierci.
Já naquele momento começou a negociar os direitos de adaptação de “A sociedade da neve”. Nascido em Barcelona, filho de um artista que fazia os cartazes dos cinemas daquela cidade, despontou com sua estreia. Lançado na Semana da Crítica de Cannes em 2007, o drama de terror “O orfanato” abriu-lhe as portas em Hollywood.
Desde então dirigiu filmes (“Sete minutos depois da meia-noite”, de 2016, e “Jurassic world: Reino ameaçado”, de 2018) e séries (“Penny Dreadful”, de 2014, e “O senhor dos anéis: Os anéis do poder”, de 2022).
Outros filmes
“Os sobreviventes dos Andes” (1976)
De René Cardona, com Pablo Ferrel e Hugo Stiglitz. Produção mexicana com locações em Vail, Colorado, uma das mais populares estações de esqui dos EUA.
A primeira versão cinematográfica partiu do livro “Survive!” (1973, também o título original do longa), do jornalista americano Clay Blair. Filme de baixo orçamento, que enfatiza o canibalismo sem sutileza, foi dublado em inglês e distribuído nos EUA, com sucesso na época.
Como assistir: No Plex.tv (gratuito, sem legenda, disponível no link watch.plex.tv/pt/movie/survive-1976)
“Vivos” (1993)
De Frank Marshall, com Ethan Hawke, Vincent Spano e Josh Hamilton. Na segunda ficcionalização, a produção americana/canadense foi rodada em inglês (com John Malkovich narrando o prólogo) no Canadá.
A trama acompanha os acontecimentos reais, mas enfatiza o lado espiritual da saga dos sobreviventes. Se os personagens são fracos, a parte técnica (fotografia e reconstituição do acidente) é o ponto alto.
Como assistir: No Oldflix (assinatura mensal a R$ 16,90)
“A sociedade da neve” (2007)
De Gonzalo Arijon. O título (em português, já que o original é “Stranded”) é o mesmo do longa de Bayona. Mas aqui se trata do primeiro documentário com os sobreviventes no local do ocorrido.
Estes descrevem como cortaram os corpos e o ritual que fizeram para ingeri-los, além, obviamente, dos debates éticos que tiveram na época. Uruguaio radicado em São Paulo, César Charlone fez a direção de fotografia – ele estaria no voo de 1972 e cancelou a viagem porque na época estava no Brasil.
Como assistir: No Pluto.tv (gratuito, dublado em português, disponível neste link)
“The Andes: 50 years later” (2022)
De Chris McNaughton. Curta narrado pelo sobrevivente Eduardo Strauch. Sem meia palavras, ele relata os pontos mais relevantes dos 72 dias nos Andes: de ter sido um dos primeiros a entender que eles só sobreviveriam se recorressem à antropofagia, dos três dias que passou submerso no gelo após a avalanche – “Era mais fácil morrer do que continuar vivo” – e da dificuldade de adaptação à vida após o resgate. O filme traz várias imagens do local da queda e do Museu Andes 1972, inaugurado, em 2013, em Montevidéu por iniciativa do empresário Jörg P. A. Thomsen.
Como assistir: no canal Deep Blue Media do YouTube (gratuito, em inglês, com legendas em inglês e espanhol)