Dois detetives em um rincão perdido dos Estados Unidos tentam solucionar crimes. Tanto do passado distante, quando foram parceiros, quanto do presente, quando novos assassinatos acabam por uni-los. O lançamento de “True detective” pela HBO, 10 anos atrás, representou uma renovação para o gênero.
Dois grandes protagonistas – Woody Harrelson e Matthew McConaughey, este também se reinventando na época, recém-oscarizado por “Clube de Compras Dallas” – e uma dupla em ascensão (o roteirista Nic Pizzolatto e o diretor Cary Joji Fukunaga) nos desafiavam não com apenas um, mas com vários mistérios.
À trama – e, consequentemente, ao telespectador – não interessava somente a resolução dos crimes, mas principalmente entender as motivações dos dois detetives.
O mote continuou semelhante nas duas temporadas posteriores, com tramas e personagens diferentes e resultados díspares.
A segunda rodada foi confusa na tela e nos bastidores, um tiro no pé para os fãs. A terceira buscou fazer as pazes com a própria origem. Impulsionada pelas atuações dos atores Mahershala Ali e Stephen Dorff, ela não chegou a fazer sombra à temporada original.
Eis que cinco anos mais tarde “True detective” volta à ativa. Retorna na noite deste domingo (14/1) fazendo as pazes com o passado e olhando para a frente. É a mesma série antológica, porém repaginada, com mulheres no comando – na frente e atrás das câmeras. A quarta temporada ganhou o subtítulo “Terra noturna”.
Pizzolatto, que assinou as três primeiras, continua em “True detective”, mas como produtor-executivo. “Terra noturna” foi criada pela mexicana Issa López, que dirigiu e escreveu boa parte dos seis episódios.
Intuição feminina
As duas detetives são interpretadas por Jodie Foster, escolha correta e coerente com o projeto, e Kali Reis, opção ousada (e acertada, como a série mostra). Descendente de povos indígenas, ela é uma boxeadora profissional cuja estreia nas telas ocorreu recentemente com “Infiltrada – Golpe de vingança” (2021), filme sobre uma ex-lutadora.
“Pois não sabemos com que feras a noite sonha quando suas horas ficam longas demais para que até mesmo Deus esteja acordado”. A epígrafe que abre o episódio piloto é apresentada de forma quase literal na tela. Estamos em outro lugar perdido dos EUA, 240 quilômetros ao norte do Círculo Polar Ártico. Só há noite, frio e gelo. Feras habitam o fim do mundo – o cenário é Ennis, cidade fictícia do Alasca (as filmagens foram na Islândia). Com a chegada do inverno, não há dia.
Na sequência inicial, uma grande ironia. “Twist and shout” está na maior altura, pois a televisão exibe a cena de Ferries Bueller (Matthew Broderick) no clássico adolescente “Curtindo a vida adoidado” (1986).
Naquele lugar perto de lugar nenhum, há uma grande instalação para pesquisadores. Todos homens. Certa noite, enquanto “Twist and shout” berra na TV, eles desaparecem. São necessários três dias para que se perceba o ocorrido. Quem descobre é um entregador, que não encontra ninguém, somente uma língua humana.
A história segue para Ennis, onde conhecemos a capitã Liz Danvers (Jodie Foster) e aquela que se tornará sua parceira, Evangeline Navarro (Kali Reis). As duas trabalharam juntas no passado, mas hoje pouco se toleram. Navarro se junta ao caso justamente por causa da língua descoberta, que pode ser a chave para um crime não resolvido, caso que a atormenta até hoje.
Seguindo a mitologia da série, a dupla tem vidas complicadas. Danvers vive irritadiça, seja com os bêbados locais, seja com a enteada problemática. Não liga se os outros mal a suportam. A discriminada Navarro criou a casca de durona para sobreviver. As duas mulheres tão discrepantes terão de se unir para descobrir o que houve com os pesquisadores.
“Estamos todos mortos”, Danvers lê o rabisco em um quadro na instalação. No final do piloto, de maneira aterradora, descobrimos onde aqueles homens foram parar. O que aconteceu até ali só será respondido ao longo da série.
“TRUE DETECTIVE: TERRA NOTURNA”
A série, com seis episódios, estreia neste domingo (14/1), às 21h, na HBO e HBO Max. Novos episódios aos domingos.
TRÊS TEMPOS
>>Temporada 1 (2014)
Sem se falar há 17 anos, os detetives Rust Cole (Matthew McConaughey) e Marty Hart (Woody Harrelson) são chamados para relembrar o caso que os uniu, o assassinato de Dora Lange. Rodada na Louisiana, a temporada deu fama à série, ao roteirista Nic Pizzolatto e ao diretor Joji Fukunaga.
>>Temporada 2 (2015)
Três policiais (papéis de Colin Farrel, Rachel McAdams e Taylor Kitsch) e um criminoso (Vince Vaughn) têm de lidar com uma rede de crimes a partir de um assassinato. O cenário é Los Angeles. Fukunaga não participou da temporada, criada por Pizzolatto. A trama foi confusa e com incongruências.
>>Temporada 3 (2019)
A trama percorre três décadas em torno do desaparecimento de crianças no Arkansas. Os detetives são vividos por Mahershala Ali e Stephen Dorff. Houve coerência (o que faltou no segundo ano) e grandes interpretações. Ainda assim, a narrativa não teve as nuances que deram fama à franquia.