Em 2017, quando apresentava o filme “O outro lado da esperança” no Festival de Berlim, o cineasta finlandês Aki Kaurismäki anunciou que aquele seria seu último longa-metragem. “Já disse isso antes, mas agora é realmente um adeus”, afirmou. O “antes” foi em 1994, quando ele e o colega polonês Krzystof Kieslowski anunciaram, no mesmo festival, que parariam de filmar.
De novo, Kaurismäki acabou deixando o adeus para depois. “Folhas de outono”, em cartaz nas salas do UNAs Belas Artes e Centro Cultural Unimed-BH Minas, é o 19º longa do diretor. Nesta sexta (19/1), o filme estreia na plataforma Mubi. Com o irmão, Mika, Kaurismäki, de 66 anos, forma a dupla de cineastas mais conhecida e prestigiosa da Finlândia.
A história é uma grata surpresa sobre o encontro (e, principalmente, desencontros) de duas pessoas solitárias, Ansa (Alma Pöysti) e Holappa (Jussi Vatanen). Ansa é tão sozinha que tem de comprar prato e talheres para receber o alcoólatra Holappa na própria casa. Quando estão juntos, os dois falam pouco – há economia de palavras, bem como de cenários, roupas.
O filme traz elementos comuns à obra do diretor: é curto (Aki acredita que não se deve exceder 90 minutos), povoado por personagens excêntricos (alguns exageram na bebida), trilha sonora eclética e clima nostálgico. O mais importante: não economiza na ironia, marca do cineasta. Uma comédia romântica, “mais amarga do que doce”, na opinião de Alma Pöysti.
Surpresa em Cannes
A outra surpresa começou em maio de 2023, quando “Folhas de outono” fez sua première no Festival de Cannes – Kaurismäki saiu de lá com o Prêmio do Júri de melhor diretor. Desde então, rodou o mundo em festivais. No Globo de Ouro, além da indicação de melhor filme em língua não inglesa, deu a Alma Pöysti a nomeação para melhor atriz em comédia. Na próxima terça (23/1), ele pode receber uma indicação ao Oscar – está entre os 15 títulos pré-indicados na categoria de filme internacional.
“Não se compete em arte, mas é maravilhoso quando um filme é celebrado dessa forma. Sobre prêmios, o que posso dizer é que eles funcionam de maneira misteriosa, você nunca sabe o que vai acontecer. Nós estamos aproveitando a 'viagem'”, afirma a atriz, de 42 anos.
Nos últimos seis meses, Alma e o colega Jussi, de 45, têm promovido “Folhas de outono”. “Todo o mundo se identifica com a história, pois o filme traz esperança. E olha que são só 81 minutos. Mas durante esse tempo você tem a sensação de que está no lugar mais quente e seguro na Terra. Isso me parece significativo, especialmente nos tempos em que vivemos”, diz Jussi.
Sabemos que a história se passa no tempo presente por causa do rádio, as notícias não param de dar conta do avanço da Rússia na Ucrânia. Mas todo o resto – cenário, objetos de cena – parece de outro tempo.
“A maneira como Aki conta as histórias nunca te dá certeza sobre o tempo, é uma espécie de conto de fadas. Isso é ótimo para os atores, pois você pode jogar fora a lógica. Quando você faz isso, faz com que o espectador se concentre nos personagens e nos sentimentos. E são eles o ponto central da narrativa”, acrescenta Jussi.
Para Alma, as pessoas comuns, o foco dos personagens de Kaurismäki, têm as histórias mais interessantes para contar. “Há um profundo humanismo no trabalho dele e na maneira como vê todos como iguais.” A atriz se surpreendeu quando recebeu o convite para o papel, pois acreditava que o diretor havia pendurado as chuteiras.
“Trabalhar com ele foi como uma jornada ao cinema da velha escola, pois só filma em 35mm, gasta horas construindo os quadros. Só depois de acertar tudo começa a filmar – e filma em um take só. Também não usa monitor, fica bem perto da câmera. Aki é realmente um cineasta, ele fala constantemente sobre filmes, outros diretores, livros e músicas.”
Para a atriz, a influência de Kaurismäki vai além do cinema. “Ele criou mais do que apenas os filmes. Também bares, cinemas e festivais. Então, o impacto do Aki é profundo na Finlândia, um pequeno país com muitas florestas e muito silêncio.”
Pet premiada
Além dos protagonistas, “Folhas de outono” traz outro destaque: a cadela Alma, que recebeu em Cannes a Palm Dog do Grande Prêmio do Júri. Alma pertence a Kaurismäki, conta sua homônima, a atriz Alma Pöysti.
“É uma cadela de rua que Aki encontrou há alguns anos em Portugal. Teve uma vida difícil, mas isso a tornou ótima atriz. Ficamos impressionados com seu talento, principalmente com sua concentração. Ela conseguiu se concentrar em uma sala cheia de gente e fazer exatamente o que deveria. Nos divertimos muito, fosse brincando ou dividindo uma salsicha ou um bolo de carne”, disse a colega de elenco da cachorrinha.
“FOLHAS DE OUTONO”
(Finlândia/Alemanha, 2023, 81min., de Aki Kaurismäki, com Alma Pöysti e Jussi Vatanen) – Em cartaz às 18h30, no UNA Cine Belas Artes, e às 21h (exceto nesta terça, 16/1), no Centro Cultural Unimed-BH Minas. Na sexta-feira (19/1), o filme estreia na plataforma Mubi.