O fato, em si, é condenável em qualquer tempo: seja na década de 1990, quando ocorreu, em 2015, quando a narrativa acontece, ou em 2024, quando assistimos à história. Mas o cineasta Todd Haynes (“Carol”, “Longe do paraíso”) não parece particularmente interessado no passado de dois dos três protagonistas de “Segredos de um escândalo”, filme que chega nesta quinta-feira (18/1) aos cinemas.

 

Gracie Atherton (Julianne Moore, em seu quinto filme de Haynes) era mãe casada de 36 anos quando se apaixonou por seu assistente em uma pet shop em Savannah, Georgia. Os dois chegaram às vias de fato nos fundos da loja. Foram vários encontros até serem descobertos. O assistente era Joe Yoo (Charles Melton), um garoto de 13 anos, melhor amigo do filho de Gracie.

 

O roteiro, de Samy Burch, é inspirado na história de Mary Kay Letourneau, que dominou o noticiário dos EUA na década de 1990 – ela tinha 34 e Vili Fualaau, seu affair e futuro marido, apenas 12 anos.

 



 

No filme, ficamos sabendo que Gracie foi presa já grávida – teve a primeira filha com Joe na cadeia. Depois de ela cumprir pena, os dois se casaram e tiveram gêmeos. Vinte e poucos anos mais tarde, vivem seu idílio amoroso em uma casa grande, à beira do lago, onde recebem amigos para churrascos no fim de semana. Esta é a visão de quem está de fora, diga-se.

 

É também o cenário que encontramos quando a terceira ponta desta história entra em cena – e aí começamos a entender a dinâmica entre o trio de personagens, esta a verdadeira razão de ser do drama dirigido por Haynes.

 

 

Elizabeth Berry (Natalie Portman) é atriz de televisão com carreira sem muito brilho. Mas um filme independente pode mudar a situação. Ela vai interpretar a própria Gracie no cinema. Chega a Savannah para conhecê-la mais a fundo em sua preparação para o papel. Elizabeth tem 36 anos, a mesma idade de Joe e também a mesma de Gracie quando conheceu o marido.

 

Quando se conhece os fatos, não dá para entender por que Gracie concordou com a presença daquela estranha que partilha a intimidade com a família. Ainda mais agora, que o casal está em vias de sofrer uma mudança. Os gêmeos partirão para a universidade. A possibilidade do ninho vazio tem afetado os dois, em especial Joe.

 

Mas isso só virá à tona mais tarde, já que a chegada de Elizabeth à casa não parece abalar aquela (estranha) normalidade. O casal não se afeta quando a atriz entrega a eles o pacote que estava na porta de casa – são fezes, e isso já aconteceu algumas vezes, ela fica sabendo. Enquanto observa Gracie e Joe abraçados na espreguiçadeira, Elizabeth ouve de uma amiga dela para tratá-la bem, pois já houve sofrimento demais no passado.

 

Elizabeth parece uma pessoa legal. Ela é uma inocente passeando em um mundo que não conhece – quando o assunto é levantado com as pessoas do círculo de Gracie e Joe, todos se emudecem.

 

A primeira virada se dá numa situação prosaica. É convidada para uma palestra na aula de teatro da escola local. Mary, a filha do casal, está na plateia. As coisas tomam rumo tão estranho durante a sessão de perguntas com os secundaristas que o incômodo causado pela fala dela transcende a tela do cinema – Elizabeth não é bem quem pensamos.


Inocência perdida

 

A escalada começa. Elizabeth, no começo discretamente, começa a mimetizar Gracie. Afinal, é esse o objetivo de estudá-la, não? Os gestos com as mãos, a voz tatibitate, as roupas. Em frente ao espelho, a mais velha explica à mais jovem como se maquia. Elizabeth observa atentamente, mas ali não há mais um pingo de inocência.

 

Gracie é mais difícil de analisar. Em momento algum parece entender quão errado foi o relacionamento. “Ele (Joe) amadureceu muito rápido”, afirma de maneira quase casual para Elizabeth. A performance das duas atrizes está longe do óbvio – e é difícil para o espectador se situar diante delas.

 

E há finalmente Joe. Aqui é tudo às claras, até o hobby do personagem. Cria lagartas, futuras borboletas que viverão livres. Ele é o coração do filme, pois está completamente desprotegido – a bela figura de Charles Melton, que até então havia se destacado pela série teen “Riverdale”, é quase uma ironia diante da passividade do personagem. Uma das primeiras falas de Gracie com o marido é que ele já está na segunda cerveja. Aquele homem dominado parece não compreender como chegou até ali – e se conseguirá sair.

 

O espectador está sempre ciente de que algo vai acontecer. Mas não espere grandes cenas ou algo escandaloso como o título brasileiro sugere. O título original é “May december” (“Maio dezembro, em português). Como o diretor explicou, faz referência ao relacionamento entre uma pessoa mais jovem (maio, primavera no Hemisfério Norte) e outra mais velha (dezembro, inverno).

 

“Notícias de um escândalo” nos impacta pelas palavras não ditas, pelos olhares de duplo sentido, pela tragédia de uma situação “normalizada”. O desconforto permanece depois que o filme termina.

 

“SEGREDOS DE UM ESCÂNDALO”


(EUA, 2023, 117min., de Todd Haynes, com Natalie Portman, Julianne Moore e Charles Melton) – Estreia no Boulevard 1, às 21h05 (leg); Boulevard 5, às 16h25 (leg); Centro Cultural Unimed-BH Minas 1, às 18h30 (leg); Diamond 2, às 14h30, 19h50 (leg, seg a sex), 13h10, 16h, 21h20 (leg, sab e dom); Diamond 4, às 18h50 (leg, seg a sex) e 19h30 (leg, sab e dom);
Cidade 1, às 13h30, 18h35 (dub); Contagem 8, às 13h35, 18h40 (dub); Del Rey 7, às 13h45, 18h25 (dub); Monte Carmo 3, às 13h35, 18h40 (dub); Pátio 6, às 13h10, 16h, 21h10 (leg); Pátio 8, às 17h50 (leg); Ponteio 1, às 14h, 16h25, 18h50 (exceto seg) e 15h15 (somente seg); UNA Belas Artes 2, às 16h e 20h30 (leg).

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