Rio de Janeiro – Trinta anos se passaram, mas, na cabeça de muita gente, a saga de José Inocêncio continua mais viva do que nunca. “Renascer”, exibida entre março e novembro de 1993, deixou o telespectador com os olhos grudados na telinha ao contar a história do fazendeiro que se instala em região cacaueira do Sul da Bahia.

 

Lá, cria família, amor pelos filhos, ódio por um deles – culpa-o pela morte da mulher no parto – e uma relação amorosa complicadíssima quando se apaixona pela ex-namorada do filho. Acrescente-se à história uma série de personagens como Buba (Maria Luisa Mendonça), que na primeira versão da trama era hermafrodita. Na atual, é mulher trans (vivida por Gabriela Medeiros).

 

 


A partir desta segunda-feira (22/1), José Inocêncio e todos os personagens que marcaram a teledramaturgia brasileira estão de volta na versão adaptada por Bruno Luperi, neto de Benedito Ruy Barbosa, autor da trama original da Globo. Mas 30 anos depois, o que esperar do remake de “Renascer”?

 

Luperi, responsável também pela adaptação de "Pantanal" (2023, Globo), diz que teve a humildade de entrar no projeto com a consciência de que existe uma história a ser contada. "É a história do Zé Inocêncio chegando ao Sul da Bahia, conquistando seu lugar e, na maturidade, tendo que se reencontrar com aquele filho que se afastou por conta de uma dor, de um luto que ele não conseguiu superar", resume.

 

Buba, que era hermafrodita na trama original, agora é mulher trans vivida por Gabriela Medeiros

Estevam Avellar/Globo

 

Pautas urgentes

 

Na entrevista de quarta-feira (17/1), durante a festa de lançamento da novela, no Rio de Janeiro, Luperi garantiu que além da proposição de contar a história escrita pelo avô, ele traz temas que a sociedade contemporânea quer discutir.

 

"O dramaturgo precisa entender as pautas que estão pingando e que as pessoas querem ouvir. Costumo dizer que, por conta disso, o tempo escreve com a gente, porque o que está em pauta hoje vai determinar o foco em uma determinada discussão", afirma Bruno Luperi.

 

Rio 60 graus

 

Discussões, aliás, cada vez mais urgentes. No dia da entrevista, os termômetros do Rio marcaram máxima de 41,8 graus e sensação térmica de 60 graus. Situação que beirou o insuportável. Não à toa, Bruno Luperi se diz tocado com o fato de conseguir trazer a visão agroecológica para a novela das 21h "em um momento tão climaticamente desafiador na relação do homem com a natureza e tão necessária de se discutir".

 

Para o dramaturgo, isso só poderia ser dito hoje, "depois de 30 anos, com uma nova consciência". Pautas como questões de gênero, religiosidade, racismo e sincretismo também fazem parte do roteiro da nova “Renascer”.

 

Saudosista confesso e apaixonado pelo que faz, Luperi acredita que no Brasil a novela tem grande espaço afetivo na vida das pessoas. Porém, reconhece: “Queria que voltasse a ocupar esse espaço como a Seleção Brasileira”.

 

“Acho um privilégio exercer a função que exerço, porque eu a levo com uma coisa muito sagrada para um país como o nosso. São poucos os instrumentos que atravessam o Brasil de Norte a Sul com a potência e a força de uma novela”, acrescenta, mas como os pés no chão frente à concorrência do streaming.

 

Mariana (Theresa Fonseca) conquista o coronel José Leôncio (Marcos Palmeira) e seu filho, o rejeitado João Pedro (Juan Paiva)

Fabio Rocha/Globo

 

Palmeira, os dois Zés – Leôncio e Inocêncio

 

Marcos Palmeira é um ator que faz parte da história da televisão no Brasil. Nas histórias de Benedito Ruy Barbosa, coleciona personagens importantes. Em "Pantanal", na primeira versão em 1990, foi Tadeu, filho de José Leôncio. Trinta e dois anos depois, voltou ao folhetim como o protagonista José Leôncio.

 

"Renascer" veio em 1993, na qual o ator deu vida a João Pedro. Cícero é personagem de "Velho Chico", de 2016.

 

Agora o ator retorna a "Renascer" como José Inocêncio, personagem que foi de Antonio Fagundes. Marquinhos, como é chamado pelos colegas, completa 60 anos em agosto e tem mais de 40 anos de TV.

 

Na festa de lançamento da novela, conversando com jornalistas, o ator lembrou que tinha dúvida se quando ficasse velho interpretaria um dos coronéis de Benedito. Por isso, para ele, dar vida a José Inocêncio pelas mãos do Bruno Luperi, recontando uma história que ele já fez e revisitando a dramaturgia com novas camadas, é uma grande emoção. "Me atravessa inteiro, e acho que só vou conseguir ter noção disso depois de sentar e pensar que fiz 'Pantanal', fiz 'Renascer'", disse.

 

Ecologista, Marcos reconheceu também a importância de poder revisitar os biomas – Mata Atlântica, Pantanal. Para o ator, é importante recontar a história trazendo esse olhar ambiental. "Um novo olhar para a natureza, para a produtividade".

 

Exercício como ator

 

Sobre os dois personagens – José Leôncio e José Inocêncio –, Marcos Palmeira os considera próximos um do outro. "São pais de filhos que rejeitam, com amores não correspondidos. É um exercício como ator".

 

Mas ele vê o coronel de “Renascer” mais identificado com ele. "José Inocêncio põe a mão na massa, e eu me criei nessa mesma região do Brasil (Sul da Bahia), tenho relação com o cacau, tenho todas as reflexões que meu avô me trouxe sobre a questão ambiental, a produção de alimentos", compara.

 

De acordo com Marcos Palmeira, nem ele poderia imaginar que José Inocêncio seria a melhor forma de comemorar seus 60 anos de vida.

 

* O repórter viajou a convite da Rede Globo

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