Expoente da música popular brasileira e do carnaval, Moraes Moreira se foi em abril de 2020, aos 72 anos, vítima da COVID-19. Destaque da banda Novos Baianos e dono de carreira solo singular, o cantor e compositor deixou imenso legado para a cultura do país. Parte dele chegou ao streaming, via Sony Music, com o lançamento de 14 álbuns em dezembro, trazendo tapes analógicos restaurados e projetos gráficos originais. Com isso, toda a discografia do artista pode ser ouvida nas plataformas.

 

Moraes Moreira lançou mais de 40 títulos. Cecília e Davi Moraes, filhos do compositor, se empenham em manter viva esta obra. No Rio de Janeiro, está em cartaz até 12 de fevereiro a exposição “Mancha de dendê não sai”, no Museu Histórico da Cidade. Em Salvador, a mostra foi vista por 25 mil pessoas em 2023. Nesta entrevista, Cecília Moraes, a Ciça, destaca a lição de coragem que o pai deixou para ela e para Davi.

 


Que lembranças você guarda de Moraes Moreira como pai?

A presença dele muito forte do nosso lado. E de alguma coisa que ele nos transmitia, nos ensinava, pela própria postura em relação à vida, sempre de muita coragem para enfrentar qualquer adversidade. E a posição, sempre, de muita entrega ao trabalho. Isso ele transmitiu muito para mim e para o meu irmão. Eu me lembro da primeira vez que o ouvi: ele chegou em casa com o primeiro álbum da carreira solo dele e botou na vitrola. Este momento foi um encontro marcante para mim, porque ele estava do meu lado e o disco tocando na vitrola. Eu pensava: “Nossa, como é que ele está aqui do meu lado e ali, ao mesmo tempo, naquele disco?”

 

Você assistiu a muitos shows de Moraes?

Sempre. A gente viajava com ele nos verões, no período de férias. Fazia muitas turnês no Nordeste, às vezes um mês, dois meses, pelas cidades durante o verão. Quando a gente estava de férias, ele nos levava com a minha mãe. Só depois, mais na vida adulta e quando eu já tinha outros compromissos, aí não. Mas durante a minha infância e adolescência, a gente estava muito juntos. No carnaval em Salvador, nem se fala. Ele me transmitiu totalmente a paixão pelo carnaval, gosto de ir embaixo do trio, na “pipoca”, como se diz. Nunca gostei de ficar muito lá em cima. Ia meu irmão lá em cima com ele, e eu lá embaixo, caminhando junto. No final, sempre tinha as nossas resenhas de carnaval, cada um do seu ponto de vista, trocando muito sobre tudo isso. Era maravilhoso.

 

Moraes Moreira foi exemplo de coragem para os filhos Davi e Cecília, a Ciça

Acervo pessoal

 

Da vasta obra de Moraes Moreira, qual é a sua canção preferida?

Não tenho como dizer uma música preferida. Vou dizer algumas. Destaco “Desabafo e desafio”, que toca nos alto-falantes na entrada da exposição em homenagem a ele. A cenógrafa Renata Mota teve a brilhante ideia de incluir isso representando os alto-falantes de Ituaçu (cidade natal de Moraes), onde não tinha televisão na época. Era pelo serviço de alto-falante que ele ouvia as músicas do Luiz Gonzaga, os jogos de futebol. Meu pai se tornou flamenguista porque lá se transmitiam os jogos do Rio e de São Paulo, e não os jogos de Salvador. Essa música está no disco “Moraes Moreira”, de 1975. Ela fala justamente do desafio de enfrentar a vida. Ele estava recomeçando depois da saída do Novos Baianos, o que exigiu muita coragem dele. Destaco também “Coisa acesa”, do álbum com o mesmo nome. Inclusive, Caetano Veloso sempre a destaca, é parceria do meu pai com o Fausto Nilo. Outra é “Chão da praça”, música de carnaval lindíssima do álbum “Lá vem o Brasil descendo a ladeira”. Fala da Praça Castro Alves, onde será inaugurada uma estátua em homenagem a meu pai.

 

 

Qual é o disco de Moraes Moreira que lhe dá mais prazer de ouvir?

No momento, “Mancha de dendê não sai”, o mesmo nome da exposição. É um álbum maravilhoso do meu pai, feito num momento especial da carreira dele, mixado em Los Angeles. Meu pai fez uma troca muito grande com Larry Williams, produtor famoso do Daft Punk, um cara ligado ao pop americano. E meu pai, que não falava uma palavra de inglês, foi para o estúdio com ele e os dois se entenderam perfeitamente por meio da música. Acho este álbum um exemplo maravilhoso e riquíssimo do diálogo (com o pop) de um artista absolutamente ligado a suas raízes e, que, muitas vezes, recebeu rótulo redutor. (Moraes) É regional, mas no sentido de absolutamente fiel àquilo que trouxe com ele, o que aprendeu, mas com diálogo muito aberto com a música pop, a música universal. Este álbum mostra isso. O diálogo é absolutamente rico, absolutamente fluido, entre a música dele, tão ligada às raízes, e um produtor ligado à cultura pop, à cultura americana. (Irlam Rocha Lima)

 


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