Cartéis latino-americanos, violência e muito gringo abastado querendo cheirar pó. Todos os ingredientes para uma trama sobre tráfico de drogas estão em “Griselda”. Um detalhe, logo no título da série, chama a atenção: quem está no comando da história é uma mulher.

 


Nova aposta da Netflix, a produção narra a trajetória real de Griselda Blanco, colombiana que foi dos nomes mais poderosos e influentes do tráfico internacional de drogas entre os anos 1970 e 1980, a ponto de inspirar a citação em que Pablo Escobar diz que “o único homem de quem já tive medo era uma mulher”.

 


Emblemática, a fala abre o primeiro episódio e escancara que aquele universo do narcotráfico, dominado por homens, foi chacoalhado quando a mãe de quatro filhos, que fugiu de casa duas vezes – na infância, para longe dos abusos do pai e, mais tarde, do marido igualmente tóxico – decidiu se envolver com o crime.

 

A verdadeira Griselda Blanco com o filho, Michael Corleone Blanco

Instagram/reprodução

 


“Cresci na Colômbia, na era do narcotráfico, mas fui ouvir falar da Griselda muito tarde na vida. Fiquei intrigada ao saber que havia uma mulher no nível daqueles homens”, diz Sofía Vergara, que encarna a protagonista em seu primeiro papel desde que a série de comédia “Modern family” chegou ao fim.

 


“Trabalhar numa série como 'Modern family' te faz ir para casa feliz. Aqui foi completamente diferente. Eu chegava em casa depois de passar o dia fugindo de pessoas que queriam me matar”, brinca ela.

 



 


“Modern family” tinha na personagem de Sofía uma dona de casa importada da Colômbia, que com o forte sotaque e as anedotas sobre a vida pré-Estados Unidos se tornou uma das personagens mais queridas da TV na década passada.

 


Assumir, depois de quatro anos, um papel tão dramático e atravessado pela violência foi um desafio, conta a atriz, que pela primeira vez atua em espanhol desde que deixou sua Barranquilla natal.

 

 

 

Submundo da Flórida

 

Não houve esforço para deixar a atriz latina fisicamente parecida com Blanco. É impossível afirmar que “Griselda” fala sobre a narcotraficante apenas ao olhar para sua protagonista, que usa a beleza e a sensualidade a seu favor enquanto tenta se firmar no submundo de Miami, nos primeiros episódios.

 


É uma forma de escancarar o machismo daquele universo – não demora muito para Blanco ser socada e assediada por algum dos homens ao seu redor. Mas ela usa as humilhações a seu favor e, com sua feminilidade, consegue dar o bote mais facilmente.

 


A minissérie mostra do início fragilizado aos dias de luxo e barbárie de Blanco, madrinha do Cartel de Medellín e uma das responsáveis por fundar a rota de tráfico que ligava Estados Unidos e Colômbia. Na sua conta estão as mortes de cerca de 200 pessoas, que padeceram no transporte ilegal de cocaína.

 


Vergara acredita que a produção não vai reforçar os estereótipos de crime ligados à América Latina, e em especial à Colômbia. “Não é uma série como 'Narcos', sobre o narcotráfico, que já conhecemos. É sobre uma mulher tentando criar quatro filhos”, afirma.

 


“É difícil encontrar personagens tão poderosas. Eu me pegava admirando esta mulher, às vezes, com a força que demonstrava no mundo totalmente dominado por homens. Mas aí me lembrava de que não podia glorificá-la, que ela havia feito coisas terríveis e se tornado um monstro, mesmo que tivesse boas intenções no começo.”

 

Família reage

 

A série foi recebida com críticas pelos parentes da narcotraficante. O portal americano TMZ informou que seu espólio estaria processando a Netflix e Vergara, também produtora, pelo uso não autorizado de imagens e histórias da família Blanco.

 


Michael Corleone Blanco, filho de Griselda, afirma ter dado entrevistas sobre a mãe entre 2009 e 2022 a pessoas que tinham interesse em transformar as histórias numa produção audiovisual, mas não foi informado de que elas se tornariam, eventualmente, “Griselda”.

 


Não é a primeira vez que a saga da Madrinha de Medellín vai parar nas telas. Catherine Zeta-Jones encarnou Griselda Blanco no filme “A rainha da cocaína”, sete anos atrás.

 

Mesmo assim, a história de Blanco costuma passar abaixo do radar, se comparada às hipermidiatizadas trajetórias de Pablo Escobar ou El Chapo. “Ainda não chegamos ao fundo da história desta mulher”, diz Sofía Vergara.

 

“GRISELDA”


A primeira temporada da série, com seis episódios, está disponível na Netflix.

 

Michael Corleone Blanco com a mãe, Griselda, em foto publicada por ele no Instagram

Instagram/reprodução
 

 

FILHO DEFENDE A "RAINHA DO TRÁFICO"


Griselda Blanco Repestro iniciou a trajetória no crime junto do primeiro marido, envolvido em tráfico humano e falsificação de documentos. O casal se mudou de Medellín para Nova York, onde ela percebeu o potencial da escalada das drogas nos anos 1970 e se tornou distribuidora. Estabeleceu logística eficiente, ajudando a criar a rota da cocaína Colômbia-EUA, em meio à violência e chacinas.

 

Pioneira, a "Rainha do Tráfico", como Griselda era chamada, construiu seu império em Nova York e Miami. Foi presa e condenada na década de 1980, nos Estados Unidos. Libertada em 2004 e deportada para a Colômbia, foi assassinada oito anos depois, quando deixava um açougue em Medellín. O noticiário registrou que ela buscava viver mais tranquilamente no país natal.

 

Griselda teve três maridos e ganhou também o apelido “Viúva Negra” devido às mortes deles, atribuídas a ela. O caçula dos quatro filhos se chama Michael Corleone Blanco, por causa da admiração da mãe pelo filme “O poderoso chefão”.

 

Griselda perdeu três filhos – Osvaldo, Dixon e Uber – na guerra do tráfico. Michael Corleone tem 45 anos, já disse em entrevistas que 22 pessoas de sua família morreram devido à violência do narcotráfico. Declarou que nunca teve infância, quase perdeu a vida em atentados quando muito jovem e decidiu não seguir este caminho.

 

Michael Corleone Blanco dá entrevista sobre a mãe à série "Guerra às drogas", da National Geographic

National Geographic/reprodução

 

Michael mantém conta no Instagram, na qual, entre outras postagens, revela seu amor pela mãe e publica fotos dela em cenas domésticas. Apresenta-se como o "orgulhoso filho de # Griselda Blanco" e anuncia um livro sobre ela.

 

Em 2020, ele participou da série documental "Guerra às drogas", da National Geographic, que, entre outros entrevistados, trouxe depoimentos de filhos e parentes de traficantes mundialmente conhecidos, como Pablo Escobar, El Chapo e a própria Griselda Blanco. (Da redação)

 

 

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