Tudo o que Cecilia Madonna Young pode te contar são as vivências de uma jovem de 19 anos em meio ao luto e a distúrbios mentais que enfrentou durante a pandemia. Por meio de seus 10 diários, a autora, de forma reflexiva e autocrítica, leva o leitor para um passeio por seus pensamentos mais íntimos.

 

“Tudo o que posso te contar”, lançado pela filha da escritora Fernanda Young e do roteirista Alexandre Machado, é uma espécie de “estudo antropológico” dos escritos dela. O projeto começou como tarefa da faculdade, virou trabalho de conclusão de curso (TCC) e agora é livro editado pela Record.

 

“Fiz uma aula chamada ‘Escritas de artista’ e, para o trabalho final, um amigo me deu a ideia de entregar os diários. Meio que juntei várias páginas deles, entreguei e deu supercerto. Pensei em continuar, pois já que fazia faculdade de jornalismo, precisava transformar o trabalho em algo mais jornalístico”, conta Cecilia Madonna, de 22 anos. “Decidi fazer uma espécie de jornalismo investigativo sobre a minha própria pessoa.”

 




A “bebenepotismo”

 

Cecilia não nega suas raízes. Porém, a @bebenepotismo, como ela se batizou no Twitter, tem receio de ser interpretada como “extensão” da mãe, Fernanda Young. Em 2019, a escritora morreu aos 49 anos, depois de sofrer ataque de asma e parada cardíaca quando passava o fim de semana num sítio, em Gonçalves, no Sul de Minas.

 

“Depois da morte de minha mãe, recebi mensagens muito assustadoras na minha DM. Ainda adolescente, tive de lidar com um monte de adultos enchendo minhas caixas com mensagens pesadas e pessoais demais, como se fosse uma transferência. Espero que com este livro eles possam me entender um pouco mais”, comenta Cecilia.

 

O talento para a escrita corre no sangue dos Young Machado. Os pais de Cecilia assinaram a série “Os normais”, marco da TV brasileira, além de “Minha nada mole vida” e “Shippados”. Entre vários livros, Fernanda Young lançou “Aritmética” e “O efeito Urano”, que se tornaram best-sellers. Além de Cecilia Madonna, os dois são pais de Estela May, Catarina Lashimi e John Gopala.

 

“Cresci sabendo que faria alguma coisa na área de entretenimento. Sinto que realmente não tinha como fugir, veio muito naturalmente a coisa da escrita. Minha mãe lia muito e meu pai vê muita televisão. Foram muitos estímulos. Aqui em casa, todas as paredes são cheias de livros, cresci assistindo a séries. Então, parece que este amor foi passado para mim”, diz Cecilia.

 

Os roteiristas Fernanda Young e Alexandre Machado tiveram quatro filhos

Bob Paulino/Globo/divulgação

 

O luto está presente ao longo de “Tudo o que posso te contar”. São recorrentes as reflexões sobre a morte prematura de Fernanda e suas consequências. “Recentemente, tive a coragem de ler um livro dela pela primeira vez. Foi chocante, eu amei. Meio que sabia que ia amar, mas estava com medo. Eu me lembro de meu pai falando que ia amar, mas ainda não tinha criado coragem. Minha mãe é uma grande referência para mim.”

 

Cecilia aborda abertamente questões relativas à própria saúde mental. Depressão, ansiedade e anorexia nervosa são, ao lado da psiquiatra Silvia, personagens centrais de seu livro. Tais vivências podem parecer exaustivas para alguém tão jovem, mas são narradas com humor, autocrítica e referências do mundo pop.

 

O livro de Cecilia é a cara da geração Z, nascida de 1995 a 2010. Seja ouvindo a cantora Lorde no carro em movimento ou maratonando a série “Glee”, ela se refugia na cultura pop. “A ficção às vezes pode ser mais pessoal do que um livro sobre você mesma”, diz.

 

“Escrever é a coisa que sei fazer de verdade. Quero criar histórias. Amo filmes e séries, então com certeza adoraria fazer alguma coisa para televisão ou para o cinema, mas não sei ainda. Recentemente, voltei a escrever diálogos despretensiosamente nos meus cadernos. Quem sabe já sabemos o próximo passo?”, conclui Cecilia Madonna.

 

 

TRECHO

 

“Quer saber uma coisa que não falo com tanta frequência? Não fui ao funeral da minha mãe. Não tive a coragem. Não sei se isso faz de mim uma covarde ou uma pessoa que sabe impor os seus limites. Sei que isso é uma questão que, até hoje, me assombra de certa maneira. Foi errado não ir? Perdi a minha chance de dizer adeus? Estou sempre pensando no corpo sem vida dela. Minha irmã e meu pai tiveram a coragem de vê-lo, eu não”

 

 

“TUDO O QUE POSSO TE CONTAR”


• De Cecilia Madonna Young
• Editora Record
• 368 páginas
• R$ 99,90

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