Celie (Fantasia Barrino) aprende sobre o prazer com a cantora Shug (Taraji P. Henson)
 -  (crédito: Warner/divulgação)

Celie (Fantasia Barrino) aprende sobre o prazer com a cantora Shug (Taraji P. Henson)

crédito: Warner/divulgação

Obra mais importante da escritora e poeta Alice Walker, “A cor púrpura” (1982), vencedor do Pulitzer e do National Book, ganhou o mundo por meio do cinema três anos após sua publicação. Sua primeira adaptação marcou a estreia de Steven Spielberg, então o garoto de ouro em Hollywood, no drama. Foi indicado a 11 Oscars; não ganhou nenhum.

Duas décadas mais tarde, a história teve nova adaptação, desta vez para os palcos. “A cor púrpura” se tornou musical da Broadway em 2005 – dez anos depois, foi remontado e aclamado no Tony (o Oscar do teatro). É desta produção, muito mais do que do filme de Spielberg, que a nova versão cinematográfica de “A cor púrpura” se valeu. 

Com estreia nos cinemas nesta quinta-feira (8/2), e apenas uma indicação ao Oscar (Atriz coadjuvante para Danielle Brooks, nomeação mais do que justa), o filme traz parte da equipe da Broadway e do longa de origem. Capitaneando a produção estão Spielberg, Oprah Winfrey (então estreando como atriz no filme de 1985, ela produziu o musical) e Quincy Jones (autor da trilha do primeiro filme e produtor de sua versão teatral). 

No comando de tudo está o cineasta e músico ganense Blitz Bazawule, mais conhecido até então por “Black is king: Um filme de Beyoncé” (2020). 

Georgia, início do século 20. Celie (retratada na juventude por Phylicia Pearl Mpasi e na idade adulta por Fantasia Barrino, revelada no reality “American idol”) parece ter vindo ao mundo para sofrer. Ela só consegue ter algumas alegrias ao lado da irmã mais nova, Nettie (Halle Bailey).

Pai abusivo

O filme começa com a dupla envolvida em brincadeiras da infância. Sozinhas, elas cantam, se divertem. A câmera mostra duas adolescentes. Quando se aproxima de Celie, vemos que a menina está com a gravidez adiantada. Dentro de casa, o inferno reina. Quem comanda tudo é o pai abusivo, Alfonso (Deon Cole). 

A vida das duas irmãs é governada pela opressão. Pior para Celie, que tem o segundo filho do próprio pai. Cada bebê que nasce é levado embora por Alfonso. 

Certo dia, Celie é negociada a Mister (Colman Domingo). A vida é tão ruim na casa do marido quanto na do pai: ela trabalha de sol a sol cozinhando, limpando; quando a noite cai, vêm novos abusos do marido. E o que é pior: ela não tem mais a companhia de Nettie. Essa conseguiu escapar dos avanços de dois homens (o pai e o cunhado) e foge para a África – a correspondência com a irmã é o que as une. Na teoria, já que Mister intercepta, ao longo dos anos, todas as cartas de Nettie. 

Já adulta, Celie encontra salvação em duas mulheres muito diferentes, mas que se encontram no propósito de não se subjugar a nenhum homem. Sofia é atrevida e não vê problema em dizer “inferno, não” a qualquer pessoa. E Shug Avery (Taraji P. Henson), cantora sensual de blues, ensina a Celie o poder encontrado no prazer. 

Bazawule não se furta às tradições dos musicais da Broadway, mas traz abordagem moderna. Números de dança surgem nas estradas poeirentas da Georgia, com a câmera se aproveitando ao máximo o cenário e as cores do Sul dos Estados Unidos. 

Há grandes números musicais, com destaque para o orgulho impresso por Danielle Brooks em “Hell no!”, a vulnerabilidade de Fantasia Barrino em “I'm here” e o dueto amoroso de Taraji P. Henson e David Alan Grier em “Maybe God is tryin' to tell you somethin'”. 

Mas os números musicais não funcionaram sem o teor dramático, o coração da narrativa. Em sua estreia no cinema, Fantasia Barrino se mantém o centro emocional de “A cor púrpura”. Colman Domingo, que concorre ao Oscar como ator principal por “Rustin”, realmente amedronta como o abusador Mister. Mas é Danielle Brooks, como a destemida Sofia, que consegue concentrar todos os olhares – quando a personagem se quebra, também quebramos com ela. 

Com segurança, Bazawule consegue dosar a força da palavra escrita com a energia necessária para uma performance musical. Relido sob o olhar de hoje, o drama mantém a força do livro de origem, trazendo observações pontuais sobre questões de gênero e raça.

 “A COR PÚRPURA”


(EUA, 2023, 141min., de Blitz Bazawule, com Fantasia Barrino, Taraji P. Henson, Colman Domingo) – Estreia nos cines Diamond 2, às 14h50, 17h50, 20h50, e Ponteio 3, às 16h, 20h55.