Ainda em um primeiro momento da pandemia, o jovem Ben-Hur Nogueira ganhou uma câmera de vídeo de sua mãe, que a comprou de uma vizinha que, impossibilitada de trabalhar, teve que vender seus pertences. Ele imediatamente começou a registrar em imagem e som os impactos do isolamento social em sua comunidade, a favela Morro das Pedras, na região Oeste de Belo Horizonte.
O resultado é o curta "Pandeminas", que foi finalizado no ano passado. O filme participou de uma mostra de cinema na Inglaterra e conquistou uma menção honrosa no Varsity Film Expo, no Zimbábue. Atualmente com 22 anos e cursando ciência da computação na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Ben-Hur já alimentava há algum tempo o interesse por cinema, escrevendo críticas de filmes para a rede de comunicação Mídia Ninja.
Tendo como referências nomes como Eduardo Coutinho (1933-2014), Carlos Reichenbach (1945-2012) e diretores do chamado cinema marginal, ele começou a filmar "Pandeminas" sem um roteiro prévio e sem muita ideia do que seria o resultado final. "É um documentário casual, comigo entrevistando moradores do Moro das Pedras. Tem uma pegada caseira, com cenas da minha família, e também imagens de telejornais, que ajudam a contextualizar", diz.
A trama de "Pandeminas" expõe o esforço dos pais de Ben-Hur, ativistas dos direitos humanos, em liderar um projeto de distribuição de alimentos inspirado em um programa de erradicação da fome dos Panteras Negras norte-americanos. O filme também trata, de modo tangencial, de questões como violência doméstica, religiosidade e a dificuldade da vida nas favelas.
O jovem concluiu as filmagens em 2020 mesmo, mas o material ficou engavetado por um tempo. "Desisti dele, não achava que era um projeto que fosse adiante. Eu era pessimista, achava que ia morrer de COVID-19 antes de conseguir exibir o filme", conta. No final de 2021, ele retomou as filmagens, registrando no Morro das Pedras as comemorações pelo título do campeonato brasileiro conquistado pelo Atlético Mineiro.
No ano passado, já estudando em Ouro Preto, Ben-Hur resolveu fazer na cidade histórica, a partir de seu trabalho para a Mídia Ninja, a mostra Cinema Preto Periférico, na qual "Pandeminas" teve sua primeira exibição pública. "Nesse mesmo período, entre outubro e dezembro do ano passado, um amigo meu falou de alguns festivais de cinema internacionais e sugeriu que eu inscrevesse o 'Pandeminas' neles. Resolvi apostar", conta.
Cinema brasileiro
Ainda no final de 2023, ele recebeu um e-mail do Varsity Film Expo comunicando a menção honrosa. "Foram 1.450 filmes inscritos nesse festival do Zimbábue, então considero uma vitória do cinema brasileiro. 'Pandeminas' também foi selecionado para uma mostra de cinema britânica. Por lá não ganhei nenhum prêmio, mas o simples fato de ter participado também é uma conquista", comenta.
Ben-Hur diz que esse reconhecimento internacional significa esperança. "Quando comecei a filmar, meu desejo era tratar das favelas, falar da minha comunidade, mas queria que fosse um trabalho universal. Pensei em fazer uma narração, mas depois considerei que o cinema documental é menos o que se fala e mais o que se vê. O filme ainda não tem legendas em inglês, mas foi selecionado assim mesmo, o que mostra que alcancei meu objetivo", pontua.
Ele considera que a experiência com "Pandeminas" lhe abriu novos horizontes. O sonho de fazer cinema já existia e agora se tornou uma realidade, conforme aponta. "O que se aprende pelo caminho vale mais do que a chegada. Tem essa questão da resiliência, de saber que tudo na vida tem seu tempo. De certa forma, eu já sabia que o 'Pandeminas' um dia iria acontecer. É um filme que também é sobre sonhos", diz.
Ponto de partida
A exibição do curta em dois festivais internacionais é apenas um ponto de partida, de acordo com Ben-Hur. Ele diz que, nos próximos meses, vai tentar fazer com que o trabalho circule mais, que possa ser exibido em algumas escolas e universidades em Belo Horizonte. Uma próxima sessão pública no Brasil já está programada – será na semana de calouros da UFOP, daqui a alguns dias.
“Costumo dizer que o cinema brasileiro salvou minha vida, me deu perspectiva. Venho de uma favela com um histórico de violência; as cadeias e os cemitérios estão cheios de pessoas como eu. Não se espera de uma pessoa da minha classe social que faça as coisas que faço, mas carrego um orgulho social, que vem do meu pai. Consegui mostrar para públicos de outros países minha comunidade, minha família", diz.
Também no papel
Além da produção audiovisual, Ben-Hur Nogueira quer continuar investindo na escrita. A partir das críticas que faz para a Mídia Ninja, ele projeta lançar livros futuramente. O jovem já tem mais de 20 artigos publicados e pensa que uma compilação pode ser o primeiro passo na seara da literatura – outro canal de expressão que considera poderoso. "Eu quero mudar o mundo, e isso está no espectro de mudar minha própria realidade", diz.
"PANDEMINAS"
Curta de Ben-Hur Nogueira, disponível neste link