Em 1988, Tracy Chapman despontou no cenário musical com o álbum que levava seu nome e tinha, entre outras faixas, os hits “Fast car”, “Baby can I hold you” e “Talkin’ bout a revolution”. Suas canções, que transitavam entre o country e o folk, com letras de forte apelo social, não demoraram a cair no gosto do público.
Ainda em 1988, “Fast car” e “Baby can I hold you” ficaram entre as 10 faixas mais executadas da Billboard, o que rendeu a Chapman quatro gramofones no Grammy do ano seguinte e fez dela uma das maiores estrelas na virada dos anos 1980 para os 1990.
Chapman continuou compondo e gravando nos anos seguintes, mas, aos poucos, foi sumindo dos holofotes. Seu último disco de inéditas, “Our bright future”, foi lançado em 2008. Depois disso, fez aparições pontuais em programas de TV, como quando cantou “Stand by me”, no “Late show with David Letterman”, em 2015; e se manifestou no “Late night with Seth Meyers” pedindo que os eleitores norte-americanos não deixassem de votar nas eleições presidenciais de 2020.
Reclusa e discreta, Chapman poderia continuar levando sua vida sem grande alarde, não fosse sua apresentação na cerimônia do Grammy no último domingo (4/2). Ao lado de Luke Combs, principal nome do folk norte-americano atualmente, Chapman interpretou “Fast car”.
Ativistas antirracistas
O dueto ocorreu em momento oportuno. Combs, que havia gravado a canção de Chapman no ano passado, vinha sendo criticado por ativistas antirracistas dentro do movimento country dos EUA por supostamente apagar o legado de Chapman.
Um dos principais críticos foi Jake Blount, artista folk norte-americano afrofuturista. Para ele, que dedicou sua carreira ao estudo da história da música e à reinterpretação de canções antigas, Combs poderia fazer o mesmo que Elvis Presley em “Hound Dog” ou o Led Zeppelin em “When the levee breaks”, músicas de autoria, respectivamente, de Big Mama Thornton e da dupla Memphis Minnie e Kansas Joe McCoy, mas que são creditadas na maioria das vezes a Presley e à banda inglesa.
“Conhecemos visionários negros que criaram obras incríveis, poderosas e influentes... que foram esquecidas e apagadas”, disse Blount, em entrevista ao jornal “The Washington Post”, em junho do ano passado. “Não é maldade dos artistas brancos que fazem músicas derivadas baseadas nas deles (artistas negros), mas é como a sociedade funciona.”
A reaparição da cantora, portanto, validou o trabalho de Combs. E, mais que isso, foi um dos raros momentos de surpresa em uma cerimônia previsível.
A apresentação de Chapman teve grande repercussão nas redes sociais e também na imprensa, ofuscando, em certa medida, o comportamento vexatório do rapper Killer Mike, preso antes do início da transmissão do evento na TV por agressão, mesmo tendo levado três gramofones.
Repercussão nas redes
O frenesi, no entanto, foi por causa de Chapman. O nome da cantora pipocou nas redes sociais e, nos dias seguintes, a versão original de “Fast car” ficou em primeiro lugar nas plataformas de streaming.
Até o diário “New York Times” entrou no jogo, com uma matéria cujo sugestivo título perguntava “Onde Tracy Chapman esteve?”.
A resposta, contudo, não poderia ser mais óbvia: Chapman estava em casa, na cidade de São Francisco, levando uma vida pacata como qualquer pessoa. À tarde, fazia compras na padaria do bairro e, para a surpresa do jornal estadunidense, comprava comida para seu cachorro em uma loja local.
A julgar pela apresentação de Chapman no Grammy, sua obliteração se deve única e exclusivamente à sua própria vontade. Além de não apresentar desgaste na voz, a cantora conduziu muito bem o público, que, ao final da canção, aplaudiu de pé, como se estivesse em um estádio de futebol, comemorando um decisivo gol.
"Lendária Tracy Chapman"
“A lendária Tracy Chapman, pessoal. Muito obrigado por isso! Muito obrigado por isso", disse o mestre de cerimônias da noite, o comediante Trevor Noah, emocionado.
Combs, por sua vez, aproveitou o microfone para prestar sua homenagem à cantora. “Tracy Chapman é um ícone e uma das maiores artistas que acho que qualquer um de nós irá ver”, afirmou.
Não há indicativos de que Chapman retomará sua carreira artística. Mas fãs já projetam a possibilidade de vê-la novamente se apresentando em público em junho deste ano. Isso porque ela foi indicada para o Songwriters Hall of Fame. Se for empossada, como é provável que aconteça, certamente será convidada a se apresentar durante a cerimônia.
Para não criar falsas expectativas, no entanto, é bom lembrar de uma fala da própria Chapman: “Estar sob os olhos do público e sob os holofotes foi, e ainda é, até certo ponto, desconfortável para mim”, disse ela ao "The Irish Times", em 2015. “Sou um pouco tímida”, completou.