Hollywood tem apostado em cinebiografias de astros da música mundial, com bons ou ótimos resultados. É o caso de "Bohemian rhapsody" (2018), focado em Freddie Mercury, "Rocketman" (2019), sobre Elton John, e "Elvis" (2022), que repassa a vida do Rei do Rock. Não é o caso de "Bob Marley: One love", que tem pré-estreia nesta segunda-feira (12/2) em Belo Horizonte.
O longa protagonizado por Kingsley Ben-Adir e dirigido por Reinaldo Marcus Green é o tipo de produção que carrega o espectador no colo, dizendo "olha, esse é Bob Marley, que teve uma infância humilde e se tornou um grande astro da música".
A cena inicial mostra o garoto Robert Nesta Marley deixando a Nine Mile, vila em que nasceu, em 1945, na Jamaica, rumo a Trenchtown, com seu avô alertando-o para ter cuidado na estrada. Em seguida, aparece na tela um letreiro que, em linhas gerais, avisa o que se verá em seguida, e é como se dissesse "esqueça essa sequência inicial, estamos agora em 1976, quando Bob Marley já é um ídolo absoluto em seu país".
Aí é que a narrativa se concentra, no período entre 1976 – quando, após sofrer um atentado a tiros, Marley deixa uma Jamaica social e politicamente convulsionada rumo à Inglaterra – e 1978, ano em que retorna ao seu país para um grande show promovido com o intuito de selar a pacificação entre grupos rivais, num dos períodos mais violentos da história da ilha caribenha.
Esse recorte temporal praticamente tira o filme do escaninho "cinebiografia", afinal são apenas três anos da vida do astro. Roteiro e direção se esforçam para mantê-lo nessa categoria, recorrendo a flashbacks que tratam, por exemplo, dos traumas da infância de Marley, rejeitado pelo pai, ou da primeira vez que ele e sua banda, The Wailing Wailers (posteriormente The Wailers), entram em um estúdio para gravar.
O problema é que essas cenas do passado simplesmente não se conectam com o tempo presente da narrativa, com o que se passa entre 1976 e 1978. ; são pontas soltas. Outro problema: pecar pelo excesso de didatismo torna-se ainda mais grave pelas imprecisões históricas que "Bob Marley: One love" carrega.
Chegada a Londres
A narrativa dá a entender que a obra de Marley só teve alcance global a partir de sua mudança, em 1976, mas, três anos antes, ele já havia feito turnê por Inglaterra e EUA. O longa carrega nas tintas para criar um "ponto de virada": mostra Marley e sua banda chegando a uma Londres inóspita, sendo confrontados por jovens brancos em um show punk numa biboca e sofrendo abordagens policiais abusivas.
Essa "contextualização" é desnecessária e inverossímil, porque não é de se supor que alguém com o sucesso de que Marley já desfrutava ficasse circulando a esmo pelo submundo londrino. Outra inverossimilhança: o grupo de atiradores que invadiu o estúdio e alvejou o artista, seu produtor e sua mulher, Rita Marley, some de forma tão abrupta quanto aparece.
Não é de se esperar que houvesse uma investigação criminal e que os autores do atentado ao maior ídolo da música do país fossem presos? Pois bem, após o retorno de Marley para Kingston, em 1978, vemos o homem que atirou contra ele surgir na sala de sua casa, do nada, para pedir perdão. Marley diz algumas frases edificantes e o sujeito vai embora. A cena é constrangedora.
Sucesso no exterior
Quando está na Inglaterra, às voltas com o sucesso do álbum "Exodus" e com sua fama reverberando cada vez mais, Marley vai se tornando deprimido e algo violento. Sabe-se que isso não era pontual: o astro com frequência brigava (não raro fisicamente) com sua mulher, com sua banda e com membros de sua equipe. O longa, no geral, mostra um artista edulcorado, como se não carregasse lá suas contradições.
O personagem que vemos na tela é pintado como um mensageiro da paz tendo que lidar com as agruras da fama e buscando recuperar a pureza perdida. O filme força a barra ao mostrar, por exemplo, Marley, no auge do sucesso mundial, depois da temporada europeia, de volta à Jamaica, em uma casa modesta, tocando "Redemption song" ao violão para a mulher e os filhos no quintal, em volta de uma fogueira.
Num dado momento, na Jamaica cindida e polarizada de 1976, Marley diz, em uma entrevista, que não liga para a política, apenas para a música. A questão é que sua música é essencialmente política. Ele podia, naquele momento, não adotar uma postura partidária, mas fica claro que já trazia consigo uma ideologia – contra a opressão, contra a injustiça social etc. Essa é outra contradição que o filme poderia explorar, mas abre mão de fazê-lo.
"Bob Marley: One love"
(EUA, 2023, 107 min.) Direção: Reinaldo Marcus Green. Com Kingsley Ben-Adir, Lashana Lynch e Jesse Cilio. Classificação indicativa: 16 anos. Sessões de pré-estreia, a partir desta segunda-feira (12/2), em salas das redes Cineart, Cinemark e Cinépolis