Conceição Evaristo é a nova imortal da Academia Mineira de Letras (AML). O anúncio foi feito nesta quinta-feira (15/2) após a reunião na qual 30 dos 34 acadêmicos votantes fecharam com o nome da criadora do conceito de “escrevivência”, que, no ano passado, conquistou o Troféu Juca Pato como Intelectual do Ano, concedido pela União Brasileira de Escritores. Pela primeira vez a honraria foi destinada a uma autora negra.
A escritora disputou a vaga na AML com José Anchieta da Silva, que recebeu dois votos. Outros dois acadêmicos votaram em branco. Conceição Evaristo vai ocupar a cadeira número 40, sucedendo Maria José de Queiroz, que morreu em novembro do ano passado.
A nova integrante da AML estreou na literatura em 1990, com “Cadernos negros”, reunião de contos e poemas. Em 2003, publicou o romance “Ponciá Vicêncio”. Em 2011, lançou o volume de contos “Insubmissas lágrimas de mulheres”. Nascida em Belo Horizonte, em 1946, ela recebeu os prêmios Camélia da Liberdade (2007), Ori (2007) e Jabuti (2015), esse último pelo livro “Olhos d'água”.
De Havana, Cuba, onde participa de um festival literário no qual o país homenageado é o Brasil, Conceição Evaristo concedeu entrevista ao Estado de Minas assim que soube da escolha de seu nome para a AML.
O que significa para a senhora ter sido escolhida para integrar a Academia Mineira de Letras?
Significa um momento de gratidão imensa, e uma oportunidade de ver Minas Gerais formando uma outra perspectiva, ou melhor, uma outra realidade de vida, porque assim como a Bahia deu para Gilberto Gil régua e compasso, Minas também me deu a régua e o compasso. O início da vida escolar, o primeiro grau, o segundo grau, minha experiência de vida, a família, os amigos, tudo isso vem daí; Minas me fez, me colocou no mundo. Experimentar esse lugar na Academia Mineira de Letras é uma situação inusitada, porque minha vida podia não apontar para isso. Nasci e fui criada numa favela, experimentei uma precariedade grande em Belo Horizonte, de onde saí para fazer minha carreira no Rio de Janeiro. Mas Minas nunca saiu de mim. Hoje volto experimentando uma fase gloriosa na minha vida, e que representa não só minha vida, na medida em que incentiva outras mulheres negras, escritoras negras, a pensar que há esses lugares que, mesmo a gente sendo exceção, são uma possibilidade de vida, um direito nosso também. Então, estou muito feliz, mas pelo que represento no coletivo, porque atrás ou junto de mim tem outras tantas mulheres e escritoras negras.
É um resultado que a senhora já esperava?
É um resultado que eu desejava, e que aconteceu.
Foi a primeira vez que disputou uma cadeira na Academia Mineira de Letras?
Sim, na Academia Mineira de Letras foi a primeira vez.
O que te levou a entrar nessa disputa?
Primeiro, pensar que a literatura, o discurso literário brasileiro, é múltiplo. Minas dá para o mundo uma diversidade grande de discursos literários. Outra motivação, sem sombra de dúvida, é a presença de Ailton Krenak. Ao elegê-lo (em 2022), a AML está justamente buscando essa representação de discursos literários muito específicos. A eleição dele me fez desejar esse lugar, me senti incentivada, pensei em concorrer um dia. Imaginei que a AML tivesse essa abertura.
A escolha de seu nome reflete uma mudança ou uma nova postura da Academia Mineira de Letras?
Sem sombra de dúvida. É um novo olhar sobre a criação literária e a diversidade literária que estão aí, uma coisa muito potente. No caso de Krenak, no meu caso e no caso de outras e outros que estão por vir, acho que temos uma riqueza que traduz o que é a literatura mineira e brasileira.
Que papel espera cumprir como nova imortal da AML?
Primeiro, acho que o papel que vou cumprir é justamente esse que está marcado pela autoria do meu texto literário, que nasce sob a inspiração e a experiência que vivi e vivo, de ser uma cidadã negra, que veio das classes populares e conquistou esse lugar. Minha criação nasce marcada por esses dados, essas experiências. Então, acho que a Academia Mineira de Letras é um lugar onde vou poder discutir com minhas confrades e meus confrades essa vivência. E a Academia tem atividades abertas para o público externo, então acho que é uma experiência nova que vai poder ser apresentada para esse público. Minhas participações nesses movimentos literários, com livros meus presentes no Brasil e também fora do país, presentes em universidades e faculdades brasileiras, os prêmios que recebi pelas obras, enfim, acredito que tenho experiências que vão ser aproveitadas na Academia Mineira de Letras.
Com que projetos a senhora está às voltas atualmente? O que paira no seu horizonte para este ano?
Um dos projetos que toco é a Casa Escrevivência, espaço cultural situado num local que simboliza a memória negra no Rio de Janeiro (foi inaugurada em julho do ano passado, no Largo da Prainha, no Bairro da Saúde, região portuária da capital fluminense). Tenho vontade de que esta casa possa ser implantada também em Minas, porque ela reúne não só meu acervo pessoal ao longo dos anos, mas também a memória da escritora, com teses, dissertações, entrevistas, todo o material que tem sido publicado sobre minha obra. A Casa Escrevivência também é uma biblioteca. Parte do meu acervo continua sendo disponibilizada, então o grande pilar é uma biblioteca, em que os livros podem ser acessados por todo mundo, principalmente pelas camadas mais populares. Fora isso, tem o romance “Macabéa: flor de mulungu”, que comecei há muitos anos (lançado em novembro do ano passado), e um outro livro, “O silencioso pranto dos homens”, que integra uma trilogia. Também quero produzir um livro de crítica, porque me interessa muito conhecer os textos de meninas e meninos que estão produzindo com base na experiência afrodiaspórica. E estou fazendo um rap, porque me interessa muito essa linguagem marcada pela oralidade e pelo corpo. Tem outro livro em processo, no qual quero confundir a memória de minha mãe – ela deixou parte escrita em um diário, depois de ler Carolina Maria de Jesus – com nossas memórias compartilhadas, a partir das cartas que trocamos depois que vim para o Rio de Janeiro.