Um passeio pela história e pela cultura das antigas civilizações andinas, num período que vai de 900 a.C. a 1.600 d.C., é o que a exposição “Tesouros ancestrais do Peru” oferece ao público de Belo Horizonte, a partir desta quarta-feira (28/2), no CCBB-BH.
Depois de passar pelo Rio de Janeiro, a mostra itinerante chega à capital mineira reunindo 162 peças em cerâmica, cobre, ouro, prata e têxteis, que permitem uma viagem pelas sociedades que habitaram os Andes até a cristalização do Império Inca.
O conjunto raro de objetos descobertos em diversas expedições arqueológicas, realizadas a partir dos anos 1940 e 1950, pertence à Fundação Mujica Gallo e faz parte do catálogo do Museo Oro del Perú y Armas del Mundo.
Apesar de se tratar de uma coleção particular, ela é reconhecida como patrimônio nacional pelo Ministério da Cultura do Peru, o que explica o acompanhamento de um representante do governo peruano durante a circulação brasileira da exposição.
Com curadoria assinada pelo produtor cubano radicado no Rio de Janeiro Rodolfo de Athayde e pela arqueóloga peruana Patrícia Arana, chefe de conservação do Museo Oro, a mostra é dividida em cinco núcleos temáticos – Linha do Tempo; Mineração; Divindades e Rituais; Cerâmica e Têxteis e Colonização –, que destacam a ascensão de diversas culturas que formaram o império Inca, até a queda diante da invasão espanhola.
"Quando as escavações arqueológicas começaram, entre as décadas de 1940 e 1950, não havia um grande interesse nesse patrimônio da história do Peru, salvo por parte de alguns heróis que começaram a resgatar esse tesouro, evitando que essas peças também saíssem do país e que se desmanchassem, que se convertessem em ouro líquido”
Camila Pérez Palácio Mujica, diretora do Museu Oro
Os traços culturais dos povos andinos aparecem em utensílios, como depiladores, bolsas, penachos, máscaras funerárias, indumentárias usadas em rituais e festejos, representações de divindades e coroas feitas de ouro. Diretora do Museo Oro, Camila Pérez Palácio Mujica explica que foi seu avô, Miguel Mujica, quem deu início ao acervo que hoje compõe a instituição.
"Ele começou a reunir esse acervo dentro de sua própria casa, inicialmente colecionando armas, quando tinha apenas 16 anos. O museu Armas del Mundo tem hoje aproximadamente 20 mil objetos. O desejo de incorporar a esse conjunto uma arma peruana foi o que levou meu avô a enveredar pelos artefatos de ouro, o que, nessa exposição, viceja especialmente nas coroas e máscaras mortuárias”, diz.
INVASÃO EUROPEIA
Patrícia observa que, a partir da invasão dos colonizadores europeus, houve muita destruição e roubos, em diversas partes do território Inca, de forma que a maior parte dos objetos e artefatos produzidos por aquelas civilizações foi derretida ou levada para a Espanha. Oferendas funerárias compostas por pequenas figuras de ouro e prata de mulheres e homens estão entre os poucos objetos que sobreviveram aos ataques.
Camila acredita que "quando as escavações arqueológicas começaram, entre as décadas de 1940 e 1950, não havia um grande interesse nesse patrimônio da história do Peru, salvo por parte de alguns heróis que começaram a resgatar esse tesouro, evitando que essas peças também saíssem do país e que se desmanchassem, que se convertessem em ouro líquido”.
Sobre os núcleos temáticos em que a mostra é dividida, Patrícia destaca que é uma forma de guiar e contextualizar o público no percurso da história que as peças em exposição contam. “Iniciamos com uma linha do tempo para proporcionar esse panorama mais amplo aos espectadores, de forma que eles possam se situar no tempo e no espaço dentro do território peruano”, diz.
Esse recorte apresenta artefatos do Período Formativo, um dos mais antigos de que se tem conhecimento, até a última fase do Império Inca, bem como materiais da época de transição da colonização. “No Peru, assim como em outras partes do mundo, cada cultura possui suas características arqueológicas, tanto em termos de desenho quanto de fabricação. Por meio dessas formas, é possível identificar a qual cultura pertencem essas peças”, ressalta.
MODO DE VIDA
O acervo reunido em “Tesouros ancestrais do Peru” permite entrever o modo de vida, os costumes e as práticas cotidianas das civilizações formadoras do Império Inca, segundo a curadora. “Nós, arqueólogos, nos baseamos no contexto. Nas escavações, vamos observando como encontramos os objetos. Eles nos indicam se o personagem era importante ou não, que tipo de evento ocorreu, se era uma área doméstica, uma tumba ou uma área administrativa”, diz.
O bloco temático Divindades e Rituais traz uma maquete ancestral de um rito fúnebre. “Uma vez que alguém proeminente falecia, transcendia para um novo plano, tornando-se uma divindade. A pessoa era ricamente vestida com elementos que atestassem sua grandiosidade. Assim, elaboravam o fardo funerário, um grande pacote envolto em tecidos, com uma máscara apoiada na parte do rosto e um poncho adornado com lâminas de ouro cobrindo parte do corpo”, conta.
Os braços eram cobertos com luvas de ouro, segurando um grande copo. Todo o conjunto era transportado em uma liteira, permitindo que esse personagem fosse exposto ao público até sua tumba. “Assim, o povo já não mais se encontrava diante de um sacerdote, mas, sim, diante de uma divindade ascendendo a um novo plano”, pontua Patrícia. Todos esses ornamentos podem ser conferidos na exposição, que fica em cartaz até o dia 6 de maio.
O Império Inca foi a maior e mais importante reunião de culturas da América antiga. Ele era formado por diversos povos e chegou a ter, no seu auge, cerca de 12 milhões de habitantes. Os Incas, que eram politeístas, conseguiram, entre 1.438 e 1.532, unificar, seja pela força ou por meio de alianças, sociedades da região costeira do Oceano Pacífico e da cordilheira dos Andes.
Os povos do território estimado em 4 mil quilômetros, estendendo-se do Sul da Colômbia até partes do Chile e da Argentina, passando por todo o Equador, Peru e Bolívia, tinham em comum o domínio de técnicas sofisticadas de administração, mineração, irrigação, agricultura, cerâmica, produção têxtil e arquitetura.
Eles trabalhavam bem o ouro, a prata, o cobre e metais mais brandos, mas não dominavam a fundição do ferro, o que os deixou em desvantagem em relação aos armamentos para resistir aos invasores, e o que talvez explique a queda vertiginosa do império.
“TESOUROS ANCESTRAIS DO PERU”
Exposição a partir desta quarta-feira (28/2) até o dia 6 de maio, no CCBB-BH (Praça da Liberdade, 450, Funcionários, 31.3431-9400), com horário de visitação de quarta a segunda, de 10h às 22h. Entrada gratuita, mediante retirada de ingresso pelo site ou na bilheteria do CCBB.