A multidão no entorno do Arena Hall, em Belo Horizonte, em sua maioria metida em camisas pretas, prenunciava a catarse que se viu a partir das 21h15, quando o Sepultura subiu ao palco para o primeiro show de sua derradeira turnê.
Com a plateia devidamente aquecida pelo Eminence, que fez o show de abertura, a banda fundada em Belo Horizonte há 40 anos abriu sua apresentação com "Refuse/Resist" e emendou com "Territory, Ambas do álbum "Chaos A.D.", de 1993, um dos títulos mais cultuados do Sepultura, antecessor do clássico "Roots".
A plateia respondeu ao poderoso início de show pulando e gritando, de punhos cerrados erguidos no ar. O vocalista, Derrick Green, saudou os fãs em bom português antes de avançar no tempo até "Machine Messiah" (2017).
Depois de emendar uma sequência com "Dusted", "Attitude" (também de "Chaos A.D."), o guitarrista Andreas Kisser pegou o microfone para anunciar o novo baterista, Greyson Nekrutman. Contratado em cima da hora para substituir Eloy Casagrande, que abandonou o barco às vésperas da estreia da turnê, ele fez a proeza de se inteirar do repertório com excelência nos poucos dias que teve para isso.
Álbum de estúdio e velha guarda
Passado o momento revisionista, o Sepultura abriu espaço para seu mais recente álbum de estúdio, "Quadra", de 2020, executando "Means to an end" e "Guardians of earth", em que Kisser dá um palinha de seus dotes de violonista clássico.
A música também evoca a ligação que o grupo mantém com as tradições e as culturas indígenas desde "Roots". Uma pegada mais agressiva deu o tom com os números seguintes: "Mindwar", "False" e "Choke", com efeitos de luzes multiplicando os músicos no cenário.
A plateia, a essa altura, estava mais extasiada do que agitada, e Kisser anunciou, para delírio dos fãs da velha guarda, " Escape to the void", do álbum "Schizophrenia" (1987), o primeiro que gravou com o Sepultura e também o responsável por começar a projetar a banda para o Brasil e para o mundo.
Influências tribais
Com "Kayowas", de "Chaos A.D.", executada com um guitarrista de apoio e, Derrick percutindo um surdo, o Sepultura trouxe à cena a marca registrada que imprimiu ao metal mundial: as levadas percursivas e as influências tribais. Também serviu para o novato Nekrutman desfilar suas habilidades com as baquetas.
Os fãs, a propósito, o abraçaram sem hesitação como membro da família Sepultura, que chegou para segurar (bem) a peteca da " Celebrating life through death", como foi batizada a derradeira turnê.
O repertório seguiu com "Sepulnation" é "Biotech is Godzilla", que, com sua levada frenética, conduziu a plateia ao êxtase. "Agony of defeat", apresentada na sequência, credenciou o show, com seu ritmo mais pesado do que rápido - uma espécie de momento de preparação para o tomo final do espetáculo.
Epílogo
O prenúncio do final do show se deu com uma mirada para o início da história da banda, com a execução de "Troops of doom", lançada em 1985 e, talvez, o primeiro grande sucesso da banda, ainda numa escala local e nacional, e ainda sem a presença de Kisser na formação. Em seguida, o grupo revisitou o álbum "Arise" (1991), com sua explosiva faixa-título. Um mosh frenético pediu espaço em meio à plateia que lotava a pista.
Previsivelmente, o melhor ficou guardado para o epílogo. Se "Roots" (1996), álbum que é indiscutivelmente o grande março da discografia do Sepultura, pareceu um tanto alijado do repertório ao longo da apresentação, ficou para ele a cena final.
Após deixar o palco por alguns instantes, Andreas Kisser, Derrick Green, Paulo Xisto e Greyson Nekrutman retornaram para quebrar tudo com "Ratamahata" - que na gravação original contou com a participação de Carlinhos Brown - e fechar com a faixa que batiza o clássico disco.
O público que esgotou os ingressos para a despedida do Sepultura em BH pulou e gritou como se não houvesse amanhã. E deixou a Arena Hall de alma lavada, certo de ter presenciado algo histórico - o fechamento do ciclo de uma banda que, surgida em BH, se tornou, ao longo de 40 vitoriosos anos, uma das maiores referências do rock pesado mundial.