Ator Marco Nanini
 -  (crédito: Matheus José Maria/Divulgação)

Ator Marco Nanini

crédito: Matheus José Maria/Divulgação

A peça “Traidor”, estrelada por Marco Nanini, que chega a Belo Horizonte neste fim de semana, marca ao menos dois reencontros para o ator. Um deles é com o texto e a direção de Gerald Thomas, com quem havia trabalhado em “Um circo de rins e fígados” (2005). O outro é com o palco, de onde estava afastado desde “Ubu Rei” (2017), dirigida por Daniel Herz.


De lá para cá, Nanini fez novelas, protagonizou o filme “Greta”, de Armando Praça, atuou na série “Sob pressão” e gravou “João sem Deus”, que estreou no streaming em 2023. Durante a pandemia, idealizou e produziu “As cadeiras”, experimento que classifica como “teatro na tela”, dirigido por Fernando Libonati, exibido em BH em agosto do ano passado.


“O teatro ficou para agora. A pandemia atrapalhou tudo demais”, diz ele. “Estava sentindo falta do calor da plateia, da presença das pessoas diante do palco. Televisão, cinema e streaming são veículos frios, você não tem a percepção da reação do público”, afirma.

 


Voltar a trabalhar com Gerald Thomas é, segundo ele, prazeroso e instigante, por se tratar de um encenador “revolucionário”, que não se prende aos cânones do teatro. “Ele é criativo, faz muitas coisas. Nesse texto, me surpreendi com a torrente de ideias, porque são fragmentos que flutuam no cérebro desse personagem que interpreto, às raias da esquizofrenia”, comenta.


Em “Traidor”, ator e personagem não estão dissociados. Não há propriamente um enredo, conforme explica Nanini. “O que temos é um ator no palco, encenando um espetáculo. Ele vai se dando conta de que sua vida, suas dúvidas, suas mentiras, suas ideias, seus anseios, tudo isso é o espetáculo.” O palco, no caso, é entendido como uma ilha imaginária, e Thomas se inspirou em Próspero, personagem de “A tempestade”, de Shakespeare.

 


“Esse personagem que está em cena tem surtos, alucinações, é tomado por uma profusão de ideias. É um espetáculo feito das muitas lacunas da mente desse homem, já muito assustado com tudo o que está acontecendo”, explica. Trata-se de alguém que se sente traído pelos acontecimentos e por si mesmo. “Ao final da peça, acabamos admitindo que o 'Traidor' somos todos nós, porque, de alguma maneira, todo mundo trai.”


Monólogo com elenco

 

Um dado curioso da peça é que se trata de um monólogo, apesar de Nanini não estar sozinho no palco. O texto está todo em sua voz, mas outros quatro atores marcam presença em cena durante todo o tempo, materializando a imaginação do protagonista. “Eles dão corpo às ideias do meu personagem. Tem cenas escritas para esses quatro atores, como o içamento de uma pedra ou uma passagem em que eles estão numa espécie de batalha e se matam. Mas o texto é todo meu”, explica.


Gerald Thomas diz que escreveu “Traidor” para Marco Nanini e que ele acaba sendo um coautor, na medida em que dá sugestões na construção da dramaturgia. “Ele me prova que é conhecedor do texto para além da questão de simplesmente decorar. Nanini me mostra que um trecho pensado para mais adiante funciona melhor no início da peça. É uma dedicação fora do comum”, diz.


Ele afirma que a inspiração para escrever “Traidor” veio – da mesma maneira que em outras peças de sua lavra – de um acontecimento fortuito, como a leitura de uma frase. “A traição é uma coisa muito peculiar e específica que está em toda a literatura dramática, presente na obra de Shakespeare ou de Molière, por exemplo. A traição é uma das grandes culpadas pelas tragédias que acontecem no mundo, homicídios, genocídios, crimes domésticos e crimes políticos ou étnicos”, diz.

Assinatura do diretor


Diretor e ator, no entanto, divergem quanto ao diálogo que “Traidor” estabelece com “Um circo de rins e fígados”. Nanini observa que há uma aproximação de gêneros, mas enfatiza que são peças totalmente diferentes. “O que as une é a assinatura do Gerald, que é contemporâneo, que não gosta de texto de teatro burguês, com princípio, meio e fim”, diz, observando que a primeira tinha um “texto fechado”, enquanto a segunda foi sendo construída de modo colaborativo.


Thomas tem outra visão sobre esses dois momentos de parceria com o ator. Ele é categórico ao afirmar que “Traidor” é uma continuação de “Um circo de rins e fígados”, destacando, inclusive, que o primeiro parágrafo do texto encenado em 2005 volta, agora, como abertura da nova montagem. “Isso foi ideia do Nanini, de reutilizar esse trecho, exatamente para dar essa ideia de continuação”, diz. O diretor também relativiza a ideia de um texto fechado no caso de “Um circo de rins e fígados”.


“Eu escrevo, mas não decoro, não sei onde as coisas estão depois. Nanini decora, estuda, grifa, então ele conhece o texto melhor do que eu, dá dicas de mudanças e acaba ficando melhor do que escrevi. Em 'Um circo de rins e fígados', ele pediu, inclusive, para eu escrever mais, inserir coisas, e eu fiz isso. Acho muito interessante esse processo colaborativo, mas Nanini é a única pessoa com quem faço isso”, afirma.


“TRAIDOR”
De Gerald Thomas. Com Marco Nanini. Em cartaz no próximo sábado (16/3), às 20h, no domingo (17/3), às 19h, e na segunda-feira (18/3), às 20h, no teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes). Ingressos disponíveis apenas para a apresentação de segunda-feira, a R$ 120 (inteira) e R$ 60 (meia), na plateia 1; e R$ 100 (inteira) e R$ 50 (meia), na plateia 2, à venda na bilheteria e pelo Sympla.