
Daniela Arbex autografa livro sobre trágica morte de 10 garotos do Flamengo
Jornalista prova que jovens não morreram dormindo durante incêndio no Ninho do Urubu, em 2019. "Longe do ninho" será lançado quarta-feira (20/3), em BH
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Siga noBernardo sempre ouviu do avô: “Um bom goleiro tem que ter intimidade com a bola.” Ele sabia das coisas, era goleiro em seu tempo. Pois foi a fotografia do garoto Bernardo dormindo abraçado a uma bola o ponto de partida para o novo livro da jornalista juiz-forana Daniela Arbex.
“Longe do ninho” (Intrínseca) conta não só a história de Bernardo, como também a de Athila, Arthur, Christian, Gedson, Jorge, Pablo, Rykelmo, Samuel e Vitor. Em 8 de fevereiro de 2019, estes 10 garotos, que tinham entre 14 e 16 anos, todos jogadores de categorias de base do Flamengo, morreram no incêndio no contêiner-dormitório do clube, onde viviam.
Daniela autografa o livro nesta quarta (20/3), a partir das 19h, na Leitura do BH Shopping.
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A tragédia do Ninho do Urubu chegou para a autora por meio de outra catástrofe. Em janeiro de 2022, Daniela deu entrevista para o “Fantástico” falando sobre o livro “Arrastados”, sobre o rompimento da barragem de Brumadinho – que aconteceu, vale lembrar, duas semanas antes do incêndio no Rio.
Lêda, mãe de Bernardo, o Beno, enviou mensagem à jornalista. As duas passaram a conversar, Daniela recebeu algumas fotos do garoto, o que aumentou a conexão. Um mês mais tarde, ao comentar o contato numa reunião na Intrínseca, veio a sugestão para que ela escrevesse o livro.

Daniela Arbex diz que toda sua obra se volta para a memória coletiva do Brasil
Morte, injustiça e crime
Este é o sexto título da autora, que estreou em 2013 com “Holocausto brasileiro” (ainda hoje sua obra mais vendida), sobre o hospital psiquiátrico em Barbacena. À exceção de “Os dois mundos de Isabel” (2020), biografia da médium Isabel Salomão de Campos, os demais livros tratam de morte, injustiça e crime – os demais, além dos supracitados, são “Cova 312” (2015), em que ela traz a verdade sobre o desaparecimento de um militante político, e “Todo dia a mesma noite” (2017), sobre a tragédia da boate Kiss.
Nunca fica mais fácil, Daniela diz – muito antes pelo contrário. “'Longe do ninho' foi uma das coisas mais desafiadoras que fiz até aqui, porque ele traz a descoberta de que os meninos não morreram dormindo, como os pais pensavam. Descobrir isso, reconstituir o incêndio, o que aconteceu em cada quarto e contar às famílias foi a coisa mais difícil que já fiz”, ela comenta.
Daniela chegou a esse resultado depois de extensa pesquisa, 150 entrevistas e milhares de páginas de documentos incluídos. Além dos familiares das vítimas, falou com 10 dos 14 sobreviventes – alguns não entraram no livro porque seus empresários não permitiram. Com o Flamengo, fez contato por escrito. “Me pediram uma semana para pensar na resposta que dariam. Uma semana mais tarde, me informaram que o Flamengo não falaria sobre o assunto.”
Cinco anos depois, oito pessoas foram denunciadas, incluindo Eduardo Bandeira de Mello (atualmente deputado federal pelo PSB), que presidiu o clube até 2018. A segunda audiência está marcada para 19 de abril.
“Depois que entrevistei as famílias, comecei a investigação na perícia criminal no Rio. Uma das coisas que me chamou a atenção foi que o croqui da Polícia Civil. Os meninos se movimentaram no contêiner. Metade dos corpos estava no corredor, o que colocava por terra a informação de que eles tinham morrido dormindo.”
Ela refez o caminho de cada vítima, desde o início do incêndio. Não quis que os pais descobrissem como aconteceu lendo o livro – fez uma leitura antecipada para eles, como ocorrera com os pais das vítimas da boate Kiss. A estrutura dos dois livros é semelhante. Daniela recupera a trajetória das vítimas e de suas famílias, com histórias da vida dos envolvidos. Eles têm voz, sonhos, problemas, alegrias – é dessa maneira que os livros dela impactam o leitor.
Com sua obra, ela se vê contribuindo para a “construção de uma memória coletiva”. Num país que convive historicamente com a cultura da impunidade, seus livros “criam uma conscientização”, acredita. “Hoje, consigo me entender como narradora de história. Quando você esquece, você nega a história. Se ela não é contada, é como se não tivesse existido.”

Torcedores do Flamengo fizeram homenagem aos garotos mortos no incêndio no dia 9 de fevereiro de 2019
“Longe do ninho” está sendo adaptado para se tornar série ficcional, assim como ocorreu com “Todo dia a mesma noite” (Netflix). “Arrastados” vai virar seriado documental. “Holocausto brasileiro”, que em 2016 se tornou o documentário homônimo (codirigido por Daniela e pelo realizador Armando Mendz, lançado pela HBO), chegou recentemente à Netflix.
“(As adaptações) São um caminho muito potente, pois quando você escreve, quer que uma história seja contada para o maior número de pessoas possível”, finaliza.
Minissérie documental
A Netflix acabou de lançar a minissérie documental em três episódios “O Ninho: Futebol e tragédia”. Dirigida por Pedro Asbeg, a produção reúne cenas dramatizadas e depoimentos para retratar não só a dor dos familiares das vítimas do incêndio no Flamengo, como a luta dos sobreviventes.
Zico e Vanderlei Luxemburgo estão entre os depoentes.
"LONGE DO NINHO”
Livro de Daniela Arbex. Editora Intrínseca, 304 págs. Preço: R$ 69,90 e R$ 34,90 (e-book). Lançamento na quarta-feira (20/3), a partir das 19h, na Leitura do BH Shopping.