Escolha um escritor e o ator mineiro Odilon Esteves lhe dará uma leitura dramatizada do autor desejado. Melhor dizendo, não só uma dramatização, mas também um bate-papo sobre a obra apresentada e o vínculo afetivo dela com Esteves. Essa é a proposta do ciclo de palestras cênico-literárias “Para abrir outras janelas”, que tem início nesta quarta-feira (20/3), no Teatro da Cidade, e segue até 3 de abril, sempre às quartas-feiras.
A iniciativa nasceu em 2016, quando Odilon foi convidado por uma amiga professora do ensino fundamental para fazer a leitura do conto “A terceira margem do rio”, de Guimarães Rosa, para os alunos dela. Ele pensou um pouco e achou melhor sugerir outro autor devido à complexidade da obra do escritor de Cordisburgo. Em vez de escolher um autor de modo arbitrário, preferiu levar diferentes opções para que os próprios estudantes decidissem. Quando terminou, a amiga lhe disse: “Você sabe que poderia viver fazendo isso, né?”.
“Ela me disse isso, contando que os alunos ficaram muito interessados com o autor apresentado e que estavam indo à biblioteca procurar outras obras desse escritor”, lembra Odilon. “Outras professoras de outros colégios foram me procurando para fazer essa mesma coisa. Aí acabou nascendo esse tipo de palestra (cênico-literária), de maneira muito espontânea”, acrescenta.
Sem roteiro
Não existe um roteiro para cada um desses bate-papos, explica o ator. Em cada encontro, ele oferece ao público cerca de 18 autores – entre eles, Bertold Brecht, Osman Lins, Clarice Lispector, Guimarães Rosa e Eduardo Galeano – e deixa para as pessoas decidirem. Quando a plateia chega a um acordo, Odilon revela como descobriu a obra que ele vai ler e o que ela representa para ele. “As pessoas escolhem os escritores, mas eu escolho o texto que será lido”, avisa.
Se, porventura, o eleito for o pernambucano Osman Lins, Odilon já tem na manga o conto “A partida”, que está incluído na reunião “Os cem melhores contos brasileiros do século”, organizada pelo crítico literário e ensaísta Ítalo Moriconi. O conto narra a relação de uma criança com a avó.
“Quando eu li, fiquei muito emocionado, porque me espelhei, não na minha relação com minha avó, mas com a relação com a minha babá. Ela era uma mulher que trabalhava na minha casa quando eu nasci e viveu com a gente até o fim da vida dela. Foi uma mãe para mim, tínhamos um laço muito forte”, lembra.
Relação afetiva
Já se o público escolher Guimarães Rosa, o ator oferece contos do livro “Primeiras estórias”, lembrando que conheceu a obra do escritor aos 13 anos, quando veio de Novo Cruzeiro, no Norte de Minas, para Belo Horizonte e foi assistir a uma peça de um então professor seu, que também era ator. No palco, desenrolava-se a história de “A terceira margem do rio”.
“Aquilo me impactou profundamente, porque conta a história de um personagem que não consegue compreender a decisão do pai de construir uma canoa e ir embora para nunca mais voltar. Isso me marcou, porque eu tinha perdido meu pai há pouco tempo e, de modo involuntário, esse texto me ajudou a elaborar a morte do meu pai”, analisa Esteves.
O então garoto ficou tão instigado com a peça que decidiu ler Guimarães Rosa, mesmo recebendo o aviso de professores e colegas de que seria uma leitura difícil. “Quando eu fui ler, não achei nada difícil, porque a escrita dele me lembrou muito a linguagem que a gente fala em Novo Cruzeiro. Além disso, não senti tanta dificuldade porque já havia criado uma relação afetiva em função da peça que assisti”, ressalta.
Clarice Lispector
A relação do ator com a literatura é íntima. Desde 2016, quando surgiu o projeto Letra em Cena surgiu, que traz escritores para analisar obras de outros autores, Odilon Esteves é o responsável por fazer a leitura dramatizada dos textos.
Além disso, durante a pandemia, quando o isolamento social se impôs, o ator desenvolveu a peça virtual “Na sala com Clarice”, que ele define como uma peça cênico-literária, na qual apresenta dezenas de textos de Clarice Lispector. Uma nova montagem do espetáculo, aliás, está nos planos de Odilon, mas dessa vez no formato presencial. “Pode demorar 10 anos, mas ainda vou fazer essa peça no teatro”, brinca ele.
Entre 2022 e 2023, ele até teve oportunidade de montar a peça. Na época, foi chamado para interpretar Firmino na novela “Mar do sertão”, da Globo. Tratava-se inicialmente de um papel pequeno, com poucas cenas e falas para decorar. “Fui para o Rio de Janeiro já com a ideia de, paralelamente às gravações, começar a ensaiar ‘Na sala com Clarice’. Mas acabou que meu personagem foi crescendo e eu não tive tempo para me dedicar a outros projetos paralelos”, lembra o ator.
Para ele, “o que a literatura faz com a gente é uma relação especular: você se vê refletido como que num espelho, ainda que não nas mesmas posições. Mas tem alguma coisa ali que faz você se ver em algum ponto da sua vida”. Assim, conclui o ator, a ideia do projeto é mostrar essa relação no intuito de fazer com que as pessoas também encontrem conexões entre a própria vida e o que foi lido, interessando-se ainda mais pelo autor que escreveu aquele texto.
"PARA ABRIR OUTRAS JANELAS"
Ciclo de palestras cênico-literárias com Odilon Esteves. Início nesta quarta-feira (20/3), às 19h30, no Teatro da Cidade (Rua da Bahia, 1.341 – Centro). Os encontros se estendem até 3 de abril, sempre às quartas-feiras, no mesmo horário. A taxa de inscrição custa R$ 60 (para uma palestra) e R$ 150 (para todos os encontros), no Sympla. Classificação indicativa: 14 anos. Informações: ciclodepalestrasliterarias@gmail.com.