Integrantes do Clube da Esquina durante viagem a passeio a Diamantina, em 1971; documentário usa fotos e vídeos de arquivo -  (crédito: Juvenal Pereira/O Cruzeiro/Arquivo EM)

Integrantes do Clube da Esquina durante viagem a passeio a Diamantina, em 1971; documentário usa fotos e vídeos de arquivo

crédito: Juvenal Pereira/O Cruzeiro/Arquivo EM

Boas histórias podem (e devem) ser contadas mais de uma vez. É o que fica claro com o documentário "Nada será como antes", de Ana Rieper. O filme tem pré-estreia na noite desta quinta-feira (21/3), no Centro Cultural Unimed-BH Minas. Os ingressos estão esgotados, mas, na quinta que vem (28/3) o longa chega ao circuito comercial.


Neste novo relato documental sobre o Clube da Esquina, há muita coisa que já vimos, seja em outros filmes, livros ou reportagens. Nem por isso os casos perdem o sabor – muito pelo contrário. A diretora conseguiu muitas (e boas) participações.

 


A emoção é provocada mais de uma vez pelas histórias dos Borges (Márcio e Lô), Milton Nascimento, Beto Guedes, Toninho Horta, Wagner Tiso, Ronaldo Bastos. Ao todo, foram entrevistadas 20 pessoas: letristas, instrumentistas, compositores, que se reuniram no início dos anos 1970 para criar um dos mais importantes álbuns da música brasileira (o disco duplo "Clube da esquina", de 1972).


A maior parte das entrevistas foi realizada durante duas semanas, no segundo semestre de 2019. Somente Milton não falou para o filme. "A negociação com ele foi mais demorada. Quando finalmente chegamos a um termo, veio a pandemia", conta Ana. Mas a costura que ela faz com imagens de arquivo (com Milton leve e falante) não causa nenhum prejuízo à produção.

 


Edifício Levy

Lô e Márcio são como os condutores. Os dois começam no Edifício Levy, no Centro de Belo Horizonte, onde os principais envolvidos se conheceram. Lô fala mais, enquanto Márcio, sempre de máquina fotográfica em punho, completa com uma informação ou outra – o Borges letrista, autor de "Os sonhos não envelhecem" (1996), relato mais importante e conhecido sobre o Clube, colaborou com o roteiro.


Ouvimos o ótimo relato de Lô, garoto ainda, descendo os 17 andares do Levy para comprar leite e pão para o lanche da família – eram 11 os filhos de Maricota e Salomão. Parou na escada do quarto andar, quando ouviu Milton tocando uma música linda. Ali se conheceram – os Borges ficaram sem lanche naquele dia.


Corta para Milton, falando do menino Lô (a diferença de idade entre eles é de 10 anos), todo cheio de si, comentando que queria fazer música dele. Isto num bar, onde Milton pediu uma batida de limão. Estranhou, ele disse, que Lô fizesse o mesmo, mas deixou quieto. O mais novo reclamou com ele, que não o convidava para sair com sua turma. Achava que os amigos de Milton não gostavam de Lô. Milton: "Lô, mas tem 10 minutos que descobri que você não é mais um menino".

 


São casos assim, contados com graça e saudosismo, que vão preenchendo a narrativa. Além do Levy e do passeio que Márcio e Lô fazem a pé pela região central de BH, há outras cenas da cidade. No Estadual Central, fala-se da política estudantil. Na casa dos Borges, em Santa Tereza, o início do Clube da Esquina.


A sequência foi rodada com Telo Borges ao piano, Lô ao violão, Márcio e Marilton, o mais velho dos irmãos, ao lado. Contam de como foi criada "Para Lennon e McCartney" (Lô, Márcio e Fernando Brant), que em 2023 teve um marco – o encontro de Milton e Lô com Paul McCartney, na Arena MRV.

 


Na Cantina do Lucas, Márcio, Ronaldo Bastos, Tavinho Moura e Paulo Vilara (que chegam para a conversa de óculos escuros, emulando os Blues Brothers) falam de parceria. E Márcio, humildemente, lembra como a chegada de Brant (que estreou como parceiro de Milton com "Travessia") fez dele um letrista melhor.


Todos parecem à vontade com a câmera. Mas quem se destaca mesmo é Beto Guedes, impagável, falando do que significou para ele ouvir os Beatles pela primeira vez. Também comenta como os companheiros do Clube eram loucos por Miles Davis e John Coltrane – e que o jazz, definitivamente, nunca foi a praia dele.

Música no centro


Diretora de outros documentários sobre música – "Vou rifar meu coração" (2011), sobre a canção romântica, e "Clementina" (2018), sobre Clementina de Jesus – Ana Rieper comenta que, ao longo dos 10 anos que levou para concluir o filme, ele sofreu várias mudanças. "Mas a ideia de que o centro dele fosse a música foi definida desde o começo."


Havia um roteiro pré-definido, mas havia também uma intenção dos personagens. "Houve uma postura da equipe estar disponível para os movimentos, ações dos personagens. Era importante que estivessem à vontade, tanto que tem muita coisa que aconteceu espontaneamente", comenta a diretora.

 


O cinema, uma referência primordial para o Clube, também está muito presente. Há trechos de vários filmes que promovem a costura entre música e depoimentos: "Paixão e fé", de José Luiz Pederneiras e Tavinho Moura, "Jardim de guerra", de Neville d'Almeida, "Sagrada família", de Sylvio Lanna.


Mas os olhos se enchem mesmo com imagens de mais de 50 anos atrás daqueles homens, na época bem jovens, na praia: Milton, Tiso, Tavito, Naná Vasconcelos, Robertinho Silva. Foram tiradas do curta "Primeira estrela" (1971), de André José Adler, diretor, ator e roteirista húngaro criado no Brasil.


A relação imediata que fazemos é com a criação do álbum "Clube da esquina", que ocorreu na praia de Mar Azul, em Niterói. "Isto faz parte da estratégia de construção do filme, de construir um sentido pela imagem. Ninguém fala nada ali, mas (as imagens) contam um monte de histórias", aponta Ana Rieper. n


“NADA SERÁ COMO ANTES”
• (Brasil, 2023, 79min., de Ana Rieper) – O filme estreia no circuito comercial na próxima quinta-feira (28/3).