Nascido em Porto de Manga, vilarejo situado do sertão do Urucuia, Norte de Minas, o compositor e violeiro Manoel Neto de Oliveira (1933-2020), também conhecido como Mestre Manelim, é homenageado no álbum “Deixa a viola me levar” (Sesc). O disco foi produzido pelo violeiro Paulo Freire em parceria com Cacai Nunes, radialista, pesquisador de música brasileira e violeiro.
Dezesseis faixas – músicas inéditas de Manelim – trazem toques de viola do artista mineiro, expressões da relação dele com a natureza, lundus e folias. Também está lá “Dança de São Gonçalo”, de domínio popular. A obra de Manoel, que aprendeu a tocar com a mãe, é considerada uma das mais belas expressões da música do Urucuia.
Tudo começou em 1977. Depois de ler “Grande sertão: Veredas”, de João Guimarães Rosa, Paulo Freire viajou para o sertão do Urucuia, onde ocorrem cenas do romance. Em Porto de Manga, conheceu seu Manoel, conviveu com o violeiro e família. “Ele trabalhava na roça durante o dia, à noite ponteava a viola no terreiro da sua casa”, relembra.
“Morei umas temporadas lá, trabalhando na roça. No final da tarde, ficava tocando com ele, observando o mestre, tentando aprender os segredos da viola”, revela o músico.
Em 2006, Paulo Freire produziu “Urucuia”, primeiro álbum com gravações de Manelim. Naquele mesmo ano, apresentou-se com o mestre em várias cidades brasileiras.
“Seu Manoel me encaminhou para ter coragem na vida. Aprendi que seus toques de viola representam os fenômenos da natureza. Vivendo no sertão, com a família dele, fui alfabetizado por meio do voo dos papagaios e do canto da inhuma”, diz Freire. “De 1977 até 2020, quando ele morreu, tivemos ligação muito próxima. Vez por outra, eu voltava para o Urucuia ou ele ia para São Paulo. Felizmente, pudemos fazer vários shows pelo Brasil afora.”
Mutirão de discípulos
Há sete anos, o violeiro e Cacai Nunes foram ao Urucuia homenagear Manoel. Na volta, conversaram sobre o material do mestre que ambos guardavam.
“Eu havia feito uma gravação com seu Manoel em Campinas, oito músicas. Falei com Cacai: 'Já temos essas. Se a gente tivesse mais, poderíamos fazer um novo disco'. Ele disse que havia gravado seu Manoel para um projeto em Brasília”, conta Freire.
Os dois se lembraram de que o colega violeiro Roberto Corrêa havia gravado o mestre em Urucuia. O repertório estava formado.
Lundu e devoção
Freire e Cacai decidiram reunir um apanhado, mostrando toques de viola do mestre, as danças de lundu e de São Gonçalo, além de músicas de devoção e folia de reis. Ofereceram o projeto ao Selo Sesc.
“Eles encamparam a ideia de modo carinhoso, em 2020, início da pandemia. Montamos e o Cacai mesmo mixou. Fizemos textos contando como foi a gravação, como conhecemos seu Manoel, como era a sua pessoa e a relação dele com a família. Isso para situar as pessoas sobre o sertão mineiro”, explica Paulo.
Já foram realizadas oficina de viola e duas apresentações da miniturnê “Deixa a viola me levar”. Ainda faltam três. “Eu, Cacai e Roberto Corrêa fizemos alguns arranjos para três violas e três vozes para o repertório do disco e estamos apresentando este show”, informa Freire.
O projeto destaca três fases da vida de Mestre Manelim. “Tem a minha gravação com ele em estúdio, a do Cacai em Brasília e a de Roberto em Urucuia, além de gravações de canto e seu Manoel tocando sozinho. É interessante contar que o mestre, no estúdio, abriu voz para ele mesmo. Cantou uma voz e depois colocou outra em cima da gravação, coisa que nunca havia feito. Ficou muito satisfeito com o resultado. E também conseguiu apresentar todas as músicas dele em shows”, conclui Paulo Freire.
“DEIXA A VIOLA ME LEVAR”
Disco com 17 faixas em homenagem ao violeiro Mestre Manelim. Produção de Paulo Freire e Cacai Nunes. Disponibilizado pelo Selo Sesc nas plataformas digitais.