Ouro Preto – Uma exposição na Casa de Gonzaga, no Centro Histórico de Ouro Preto, marca o centenário da Caravana Modernista, que passou pela antiga capital de Minas e outras cidades históricas do estado na Semana Santa de 1924.
Os visitantes podem ver “A viagem da redescoberta”, a primeira edição de obras modernistas importantes como “Pauliceia desvairada” e “Macunaíma”, de Mário de Andrade, “Memórias sentimentais de João Miramar”, de Oswald de Andrade, além de revistas, a exemplo de “O malho” (1933) trazendo, na capa, a pintura “Christo”, da artista plástica Tarsila do Amaral.
Saiba mais sobre a caravana de 1924 e por que Aleijadinho é figura emblemática do Modernismo
A exposição “A viagem da redescoberta – Os modernistas nas cidades históricas de Minas” reúne 21 obras do Instituto Peck Pinheiro. Trata-se de produção literária posterior à visita dos modernistas a Minas, com exceção de “Pauliceia desvairada”, de 1922, explica Rômulo Pinheiro, presidente da instituição.
Há também exemplares da revista modernista “Verde”, de Cataguases, na Zona da Mata mineira, e um exemplar autografado de “A visita” (1977), de Carlos Drummond de Andrade.
Acervo precioso
Em visita à exposição, o professor de comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denilson Lopes, ressaltou a importância do acervo com edições originais e a possibilidade de acesso ao público.
Ao lado dele, o professor Dieison Marconi destacou a valorização da cultura e a conexão com a comunidade, enquanto o jornalista carioca Bruno Pursino chamou a atenção para a importância de o acervo estar disponível às escolas. Estudante de letras na UFRJ, o norte-americano Jesse Hothbard elogiou a iniciativa.
Os quatro visitantes participam do seminário “Minasmundo, Ouro Preto (2024-1924)”, aberto nesta segunda-feira (25/3) no Teatro Municipal Casa da Ópera, que prossegue até quarta (27/3). Em pauta, o legado na cultura brasileira, de forma especial na mineira, dos escritores Mário de Andrade e Oswald de Andrade, organizadores da Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo (SP), da artista plástica Tarsila do Amaral e do poeta franco-suíço Blaise Cendrars.
Cobrança a Lula
Na abertura oficial, o prefeito de Ouro Preto, Angelo Oswaldo de Araújo Santos, falou sobre a importância da viagem dos modernistas em 1924, responsáveis pela “redescoberta do Brasil”, visitando São João del-Rei, Tiradentes, Congonhas, Sabará, Lagoa Santa e Belo Horizonte.
“Ficaram impressionados com a decripitude de um patrimônio que não poderia se perder. Com eles, principalmente Mário de Andrade, nasceu a necessidade de preservação, que culminou, na década de 1930, com a criação do antigo Sphan, atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)”, afirmou.
Atual presidente da Associação das Cidades Históricas de Minas Gerais, que reúne 30 municípios, Angelo Oswaldo disse que o Iphan, criado em 1937, precisa recuperar sua importância e função após o “desmonte” na gestão federal passada.
“Tenho certeza de que o presidente Lula pode fazer isso, pois ainda dá tempo, e nada aconteceu até agora”, cobrou.
Wander Melo Miranda, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), destacou o lançamento do “Glossário Minasmundo” (Editora Relicário), com mais de 500 páginas e verbetes sobre Minas Gerais. “É um trabalho único, resultado de quatro anos de pesquisa, nada nesse sentido havia sido feito”, comentou.
Um grupo de pesquisadores trabalhou na preparação do seminário durante quatro anos, com a presença da professora Eneida Maria de Souza (1943-2022), referência em literatura na UFMG. Além de Wander Melo Miranda, o Projeto Minasmundo tem, na coordenação, os professores André Botelho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Pedro Meira Monteiro, da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, Maurício Hoelz Veiga Junior, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, e Mariana Chaguri, da Unicamp.
Redescobrimentos do Brasil
Participam do evento cerca de 80 professores de Minas, Rio de Janeiro, São Paulo, Distrito Federal, Ceará e Mato Grosso, e dos países: Estados Unidos, Argentina e Uruguai.
Na manhã do primeiro dia de debates sobre a Caravana Modernista, a professora Lilia Moritz Schwarcz, da Universidade de Princeton e recém-eleita para a Academia Brasileira de Letras, participou do debate “Miragens e redescobrimentos do Brasil”.
Esta “nova caravana” inclui 80 profissionais “altamente qualificados” segundo os organizadores do seminário, das áreas de ciências sociais, letras, artes plásticas, artes cênicas, história, ciência política e arquitetura.
Seu objetivo é, segundo André Botelho, discutir a criação artística e mudança de rumo do Modernismo e do cosmopolitismo da cultura brasileira. Com a viagem dos modernistas, foi destacada a importância da obra de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814), vista então como cópia malfeita do Barroco europeu”.
De acordo com Botelho, a palavra cosmopolita é fundamental para se entender melhor a “redescoberta” do país.
“Os modernistas olham para dentro do Brasil, mas sem nacionalismo. Na verdade, dão uma dimensão cosmopolita ao que veem, considerando a obra de Aleijadinho, notadamente os 12 profetas de Congonhas, ‘diferente’, e não cópia de originais europeus. Cosmopolita, portanto, não é o modernista que foi a Paris ou Ouro Preto, mas aquele que entende e reorienta sua conduta em relação à diferença, ao outro; aqueles e aquelas que criaram e criam ramais e caminhos de comunicação democrática”, destacou.
Participaram da caravana de 24 a artista plástica Tarsila do Amaral (1886-1973), autora do famoso óleo sobre tela “Abaporu”, o escritor e dramaturgo Oswald de Andrade (1890-1954), o escritor e poeta Mário de Andrade (1893-1945), o poeta franco-suíço Blaise Cendrars (1887-1961), a fazendeira Olívia Guedes Penteado (1872-1934), incentivadora do Modernismo e dos artistas brasileiros, e o jornalista René Thiollier (1882-1968).
Atento estudioso da Caravana Modernista e de seus desdobramentos, o prefeito de Ouro Preto ressaltou que “em 1922, em São Paulo, o Brasil descobriu a arte moderna, mas, em 1924, a arte moderna descobriu o Brasil”.
Cinco anos antes da caravana, a obra de Aleijadinho havia causado forte impressão a Mário de Andrade. Em 1919, o escritor foi a Mariana, na Região Central, para encontrar o poeta Alphonsus de Guimaraens (1870-1921). Retornando a São Paulo, fez uma palestra sobre a singularidade do Aleijadinho na história da arte.
EXPOSIÇÃO
“A viagem da redescoberta – Os modernistas nas cidades históricas de Minas”. Casa de Gonzaga, Rua Cláudio Manoel da Costa, 61, Largo do Coimbra, Ouro Preto. Das 10h às 17h. Entrada gratuita.
MINASMUNDO, OURO PRETO (2024-1924)
Informações: Instagram (@minas.mundo), projetominasmundo.com.br e YouTube.com/minasmundo
Terça-feira (26/3)
10h: “Minas e os mundos”, no auditório do Museu da Inconfidência, com Elisa Reis (UFRJ), Júnia Furtado (UFMG), Wander Melo Miranda (UFMG) e Ricardo Aleixo (UFBA). Debate: José Newton Meneses (UFMG) e coordenação de Celi Scalon (UFRJ)
14h: “Duas exposições em Ouro Preto”, no auditório do Museu da Inconfidência, com Romulo Pinheiro (Instituto Peck Pinheiro) e Edilson Pereira (Eco-UFRJ) e mediação de Sabrina Parracho Sant’Anna (UFRJ)
15h: “Minas, volutas, movimentos”, no auditório do Museu da Inconfidência, com Inés de Torres (Universidad de la Republica/Uruguay), Joana Tavares (UFRJ/Unirio), André Bittencourt (UFRJ), Daniela Giovanna Siqueira (UFMT), Manaíra Aires Athayde (University of California, EUA). Debate: Myriam Ávila (UFMG). Coordenação: Enio Passiani (UFRGS).
17h30:Lançamento do “Glossário Minasmundo”.
Quarta-feira (27/3)
11h: Sessão especial com Paulo Nazareth, na Casa da Ópera. Conversa com Maria Angelica Melendi (UFMG). Mediação: Denilson Lopes (UFRJ).
14h – “Cosmopolitismo: palavra perigo”, no auditório do Museu da Inconfidência. Com Mario Cámara (Universidad Nacional de las Artes/Argentina), Rubem Barboza (UFJF), Pedro Meira Monteiro (Princeton) e Heloisa Starling (UFMG). Debate: Helena Bomeny (UERJ). Coordenação: João Pombo Barile (Suplemento Minas Gerais).
17h – Encerramento. Cosmopolíticas: conversa com Conceição Evaristo e Silviano Santiago”, na Casa da Ópera Mediação: Leda Maria Martins (UFMG).