"A vida é a arte do encontro", disse certa vez Vinicius de Moraes. Pois foram os encontros que geraram o Clube da Esquina. O mais fundamental deles foi o de um menino que ia comprar pão e leite para o lanche da família e se mesmerizou, na escada do prédio em que morava, com a música que um vizinho desconhecido tocava.
Esta história é contada pelos próprios protagonistas, Lô Borges e Milton Nascimento, sobre um fim de tarde no Edifício Levy, Centro de Belo Horizonte, no início da década de 1960. Está no documentário "Nada será como antes", de Ana Rieper, que chega nesta quinta (28/3) aos cinemas por meio da Sessão Vitrine.
Foi também outro encontro o ponto de partida do filme. Em Santa Teresa (a carioca, não a mineira), alguns anos atrás, Ana se encontrou com um velho amigo. Era José Roberto Borges, filho de Márcio, primeiro letrista de Milton. Conversa vai, conversa vem, veio a ideia do filme.
A intenção era contar a história do Clube tendo a música como ponto central. Márcio logo foi arregimentado para o projeto, pois é dele o principal livro sobre aquele momento ("Os sonhos não envelhecem", 1996). Acabou colaborando com o roteiro.
"O que fiz foi mandar para a Ana sinopses das coisas que achava que deveriam constar no filme. Também ajudei a contatar amigos, pessoas importantes para a história, como o (jornalista) Paulinho Vilara e o (professor) Paulinho Saturnino que, mesmo não pertencendo ao universo da música, são testemunhas", conta.
Casa dos Borges
Também os principais compositores, letristas e instrumentistas, que estiveram juntos no álbum "Clube da Esquina" (1972), participaram do longa: dos Borges, Márcio, Lô, Marilton e Telo, além de Milton, Beto Guedes, Toninho Horta, Wagner Tiso, Ronaldo Bastos. Ao todo, foram entrevistadas 20 pessoas.
Márcio aparece bastante em cena, em boa parte das vezes empunhando uma máquina fotográfica. "A Ana precisava de planos de cobertura (imagens de objetos ou do ambiente para cobrir falas dos entrevistados). Me lembrei dos meus tempos de cineasta amador", continua.
Além do Levy e de um passeio que Márcio e Lô fazem a pé pela Região Central de BH, há outras cenas da cidade, no Estadual Central, na Cantina do Lucas e na casa dos Borges, em Santa Tereza. Esta sequência foi rodada com Telo ao piano, Lô ao violão, Márcio e Marilton ao lado.
A casa, muito próxima da esquina das ruas Divinópolis e Paraisópolis (que gerou o nome do clube, como é relatado no filme), é hoje ainda a residência de cinco dos 11 filhos do casal Maricota e Salomão Borges. Ali vivem Marilton, o primogênito, Sandra, Solange, Sueli e Nico Borges, o caçula.
Ciúme de Brant
Para Márcio, relembrar histórias de tanto tempo atrás é sempre diferente. "Cada vez é de uma maneira, pois a memória da gente é dinâmica." Um dos melhores momentos dele no filme acontece numa conversa no Lucas, ao lado de Vilara, Ronaldo Bastos e Tavinho Moura. Ali, ele se relembra de quando Fernando Brant apresentou sua primeira letra para uma música de Milton (que era "Travessia"). Na época, Márcio já tinha escrito umas 15 letras para o parceiro.
"A primeira constatação foi que tinha arranjado um rival. Considero 'Travessia' melhor do que todas as letras que eu tinha feito até então. Tive um ciúme grande. Depois, quando vi aquela pessoa gentil, bem-humorada, companheira, fiquei apaixonado. E Fernando se tornou um dos meus melhores amigos", acrescenta Márcio, sobre este encontro definitivo.
“NADA SERÁ COMO ANTES”
(Brasil, 2023, 79min., de Ana Rieper) – Estreia nesta quinta (28/3) no Centro Cultural Unimed-BH Minas1, às 18h30 (exceto hoje); Cidade 1, às 18h40; Contagem 8, às 18h40 (quinta a domingo) e 20h30 (segunda a quarta); e UNA Cine Belas Artes 2, às 13h40 e 19h10.