Em exibição no Museu Mineiro até 5 de maio, a instalação “Jardim mineral: O avesso da terra”, de Ana Elisa Murta, propõe a ressignificação dos recursos naturais de Minas Gerais, com exibição de telas pintadas a partir de tintas feitas artesanalmente pela própria artista plástica com pigmentos retirados de pedras naturais da cidade do Serro.
“Sou mineira de Belo Horizonte, então, o minério, as minas sempre estiveram em todo o meu campo de visão, não tinha como fugir”, diz Ana sobre o ponto de partida para a criação do projeto.
Aos 41 anos, ela conta que se relaciona com a arte desde a infância, mas foi só em 2019 que começou a se dedicar exclusivamente a esse ofício. Antes de mergulhar nele, formou-se em direito, com mestrado em administração e gestão de pessoas, e atuou por anos no mundo corporativo como auditoria fiscal e gerente de projetos.
“Sempre tive vocação artística e o processo foi acontecendo. Não teve um momento em que eu disse: ‘Agora vou me dedicar só a isso’. Mas eu vi que era algo que me tomaria de corpo e alma. Não dava para continuar uma carreira executiva e ser artista ao mesmo tempo”, afirma. “Não acho que tenha sido uma mudança de caminho, foi um passo atrás do outro e que faz muito sentido para mim.”
Porém, quando decidiu abraçar de vez as artes plásticas, Ana Elisa se deparou com um desafio: desenvolveu alergia a todos os tipos de tintas comerciais disponíveis no mercado. Levou algum tempo para que ela descobrisse a causa das brotoejas na pele. Durante esse período, deixou de comer vários tipos de alimentos, passou por diversos médicos e demorou a cogitar que o problema seria justamente a matéria prima de seus trabalhos.
ALERGIA
Depois de muita investigação, veio o diagnóstico de que apenas o vapor da tinta já era o suficiente para causar uma reação. “Eu me vi numa encruzilhada. Como eu conseguiria exercer a minha vocação sem poder ter contato com as tintas?”, conta.
A partir daí, a artista tentou desenvolver alternativas para continuar manuseando o material. A solução foi retirar pigmentos naturais de pedras minerais, como mica, quartzo e hematita, encontradas nos arredores de sua fazenda, no Serro.
Até sua exposição anterior, realizada em Londres, parte das tintas eram provenientes de sua produção, e algumas tonalidades eram compradas de terceiros. Com “Jardim mineral”, a artista exibe pela primeira vez um trabalho 100% feito com base nas riquezas de Minas Gerais.
“Nesse ponto eu já estava muito consciente do malefício das tintas e de toda a química existente ali. Eu não conseguia mais continuar trabalhando com aquele produto que eu sabia que fazia tão mal não só pra mim mas para o universo”, diz. “Agora eu consigo me entregar literalmente. Eu não preciso me proteger, eu posso me misturar, entrar no quadro. Isso mudou muito a minha relação com a arte”, comenta.
As telas abstratas de Ana Elisa Murta exibem as cores naturais das pedras e misturam texturas em tons de amarelos e avermelhados, ressaltando as diversas possibilidades dos recursos naturais disponíveis na natureza.
Com 12 pinturas expostas no museu localizado na Avenida João Pinheiro (duas delas com 10 metros de comprimento), Ana Elisa conta que a ideia da instalação é ressignificar nossa relação com o solo, com os minérios e com a nossa matéria prima.
Na instalação, as obras não estão nas paredes, mas sim suspensas no meio da sala, por meio de uma estrutura metálica criada para a exposição. “Uma das questões fundamentais é se desapegar da questão arquitetônica somente estética”, aponta. “O que vejo muito hoje são pessoas querendo adquirir quadros que vão compor um projeto arquitetônico, o que eu acho que empobrece muito a função da arte plástica.”
Depois de Belo Horizonte, a instalação segue para as embaixadas brasileiras em Roma e Dubai.
“JARDIM MINERAL: O AVESSO DA TERRA”
Instalação de Ana Elisa Murta. Em exibição até 5 de maio, no Museu Mineiro (Avenida João Pinheiro, 342, Funcionários). Visitação de terça a sexta, das 12h às 19h e aos sábados, domingos e feriados, das 11h às 17h. Entrada Franca.