O Oscar é americano, mas o mundo, não. É fato que “Parasita” (2019) foi um marco em Hollywood. O longa sul-coreano de Bong Joon Ho recebeu seis indicações e quatro prêmios, incluindo melhor filme. Ou seja, a partir daquele momento, uma produção em língua não inglesa poderia realmente ganhar em um mercado que tradicionalmente privilegiou os próprios pares.


Ao longo de sua história, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood nomeou produções estrangeiras para além da categoria melhor filme Internacional. Não custa lembrar que o lobby do outrora superpoderoso Harvey Weinstein garantiu a “Cidade de Deus” quatro indicações (direção, fotografia, montagem e roteiro adaptado), 20 anos atrás. Isto foi uma exceção.


Os méritos de “Parasita” são incontestáveis, mas a premiação também veio ao encontro da abertura que a Academia vem demonstrando para o cenário global, diverso, que vai muito além do umbigo de Hollywood. O efeito do filme sul-coreano repercutiu na edição passada do Oscar, quando o alemão “Nada de novo no front” levou quatro das nove estatuetas para as quais havia sido indicado.


Nesta edição do Oscar, o crescimento foi ainda maior. Pela primeira vez, dois títulos internacionais em língua estrangeira foram indicados a melhor filme. São eles o francês “Anatomia de uma queda”, de Justine Triet, e o britânico falado em alemão, iídiche e polonês “Zona de interesse”, de Jonathan Glazer, ambos concorrentes em cinco categorias.

 




Na lista dos 10, há ainda uma produção EUA/Coreia, falada nos dois idiomas, “Vidas passadas”, primeiro longa da diretora coreano-canadense Celine Song. Além disso, todas as indicações para documentário em longa-metragem são para filmes em língua não inglesa – o favorito é o ucraniano “20 dias em Mariupol”, de Mstyslav Chernov.


Podemos ir além: ainda que “Homem-Aranha: Através do Aranhaverso” seja o favorito em animação, há chances reais de o japonês Hayao Miyazaki levar seu segundo Oscar, por “O menino e a garça”. O longa, em tudo, da história à feitura quase manual, contrapõe-se à indústria americana da animação.


ELEITORES DE 93 PAÍSES


Hoje, a Academia conta com cerca de 10,5 mil membros – 20% deles são de fora dos Estados Unidos. Nesta edição, houve um recorde, com eleitores de 93 países. Isto tudo é resultado da abertura iniciada após polêmicas pela ausência de diversidade de gênero e raça em edições passadas.


As cinco indicações recebidas por “Anatomia de uma queda” não foram exatamente uma surpresa. Hollywood só referendou o que o mais prestigioso festival de cinema do mundo (e outras tantas premiações que acontecem antes da cerimônia deste domingo, 10/3) já havia confirmado. Em maio de 2023, quando foi lançado no Festival de Cannes, o filme de Triet levou a Palma de Ouro.


Além de melhor filme, o drama sobre uma mulher suspeita de ter assassinado o marido em um chalé remoto nos Alpes concorre em outras categorias importantes. Direção, roteiro original (escrito por Triet e marido, Arthur Harari, dupla favorita ao troféu), montagem (Laurent Sénéchal) e atriz (Sandra Hüller).

 


Aos que notaram a ausência do longa em filme internacional: em seu discurso ao receber a Palma de Ouro, Triet não poupou críticas ao neoliberalismo do presidente Emmanuel Macron. E a indicação, nesta categoria, vem de cada país. A França indicou “O sabor da vida”, de Tran Anh Hung, que entrou apenas na pré seleção (com 15 títulos) da categoria.


Em sua primeira indicação, Sandra Hüller, atriz alemã de formação teatral, não é uma estreante na cerimônia. Em 2017, compareceu à entrega dos prêmios acompanhando “As faces de Toni Erdmann”, de Maren Ade, que estrelou. Ainda que tenha poucas chances na categoria, cujo prêmio deverá ir para Lily Gladstone ou Emma Stone, sua interpretação ousada e complexa dá um nó na cabeça do espectador: a dúvida sobre a culpabilidade (ou não) da personagem percorre toda a narrativa.


Hüller é a bola da vez porque também protagoniza a outra produção internacional que entrou em cinco categorias. “Zona de interesse”, em que Glazer adapta de forma livre o romance homônimo do escritor britânico Martin Amis, concorre, além de melhor filme, nas categorias direção, filme internacional, roteiro adaptado e som.

 


É o horror da Segunda Guerra Mundial visto de uma forma radical, fora das convenções. A narrativa acompanha a vida doméstica de Rudolf Höss (Christian Friedel), o oficial da SS que comandou, de maio de 1940 a novembro de 1943, o campo de Auschwitz. Não se vê nenhuma morte, ainda que a presença dela seja constante na fumaça dos fornos crematórios, nas cinzas espalhadas pela natureza, no som dos tiros.


A atriz interpreta Hedwig, a mulher de Höss. Seu apego a casacos de pele e maquiagem que pertenceram a judias levadas para Auschwitz, mais sua satisfação diante da ascensão social que alcança com os cinco filhos na mansão construída ao lado do campo, estarrecem o espectador.


Deve ganhar em filme internacional, mesmo diante da popularidade do espanhol “A sociedade da neve”, de J.A. Bayona, hoje o segundo título não falado em inglês mais assistido da Netflix. Ainda que “Oppenheimer” figure como favorito, “Zona de interesse” tem reais chances na categoria de som. A desconexão entre as cenas da vida familiar perfeita e os sons perturbadores que se ouve ao fundo permanece com o espectador, mesmo depois que o filme termina.

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