Ator, diretor, escritor, roteirista e produtor, Adyr Assumpção está completando 50 anos de trajetória artística. Para celebrar esse marco, ele recorre, em seu novo espetáculo, “Leão Rosário”, que estreia nesta quinta-feira (21/3), no CCBB-BH, a duas referências marcantes em sua carreira. Com direção de Eduardo Moreira, do Grupo Galpão, o monólogo promove uma hibridização de “Rei Lear”, de Shakespeare (1564-1616), com o universo de Arthur Bispo do Rosário (1909-1989).

 

Protagonizada por Assumpção, que também assina a dramaturgia, a montagem é uma tragédia cuja história se passa em uma África atemporal e que mescla elementos de diversos povos, países e reinos africanos para formar o Reino de Oió, Ifé e Benguela, na Costa Atlântica do continente, lugar de origem de milhões de brasileiros.

 



A trama tem início quando o velho rei decide dividir seu vasto império entre suas filhas, deixando a maior parte para aquela que mais o ama e, por vaidade, toma uma decisão insensata, com trágicas consequências. Assumpção diz que já vinha namorando “Rei Lear” desde antes da pandemia e que a intenção primeira era produzir um musical. Esse espetáculo teria uma “pegada black”, com o foco voltado para questões afro-brasileiras, a partir do personagem de Shakespeare.

 

Ele convidou Ernani Maletta para assumir a direção musical. “Era uma coisa grande, mas aí veio a pandemia. Ficamos trabalhando sozinhos, on-line, e aí começou a se desenhar um espetáculo que já não tinha mais atores e já não tinha mais orquestra. O que sobrou foi minha voz, uma certa solidão que a pandemia provocou e enfatizou no personagem”, afirma.

 

Teatro Negro

No pós-pandemia, Assumpção voltou a mergulhar na estética e nas temáticas do Teatro Negro, o que resultou na peça “Sortilégio”, adaptação do texto de Abdias do Nascimento. “Fui estudando como autores que admiro se valeram de Shakespeare, tal como Wole Soyinka, um grande dramaturgo nigeriano, e também outros escritores e pensadores da questão afro-diaspórica”, diz.

 

""Minha geração teve a oportunidade de acompanhar o desenvolvimento de muitos aspectos ligados às artes cênicas. Na época, estávamos batalhando pela liberdade de expressão, pelo reconhecimento da profissão e, do ponto de vista da estética, havia a necessidade de se aprofundar nas questões da brasilidade”"
por Adyr Assumpção, ator e diretor

O artista mineiro conheceu Bispo do Rosário nos anos 1980, quando integrou o coro do Teatro Oficina, de Zé Celso Martinez Corrêa. “Trabalhávamos com uma série de temas, a terra, a diversidade, a liberdade sexual e também a questão da sanidade. Foi quando nos aproximamos de Bispo do Rosário. Éramos um grupo morando perto da colônia Juliano Moreira, o manicômio em que ele passou boa parte da vida. Pegamos a luta antimanicomial como uma das bandeiras de luta”, diz.

 


Mundos paralelos

As lembranças que guarda de Bispo do Rosário e das possibilidades de mundos paralelos – o que vivemos e o que vamos criando ou recriando, como ele fazia em suas obras – foram alinhavadas com “Rei Lear” como uma maneira de se falar, também, do tempo e da velhice. Assumpção cita que Shakespeare atravessa seu percurso cinquentenário nas artes cênicas, apesar de apenas pontualmente tê-lo levado ao palco.

 

Ele estreou no teatro interpretando o personagem Puck, de “Sonhos de uma noite de verão”, sob direção de Haydée Bittencourt. “Foi uma coisa muito forte, determinante para eu continuar fazendo teatro, porque teve uma resposta muito impactante para um jovem ator. De lá para cá, montei pouco Shakespeare, mas sem nunca deixar de estudá-lo. Então, volta e meia, ele está presente, não sai da cabeceira.”

 

Adyr observa que a data “redonda” – os 50 anos de carreira – tem um efeito duplo, de comunicação com o público e de observação. “Conseguimos ver com mais clareza o que se passou. Minha geração teve a oportunidade de acompanhar o desenvolvimento de muitos aspectos ligados às artes cênicas. Na época, estávamos batalhando pela liberdade de expressão, pelo reconhecimento da profissão e, do ponto de vista da estética, havia a necessidade de se aprofundar nas questões da brasilidade”, comenta.

 

"“A contribuição do povo preto para a cultura brasileira está na pauta do dia. Isso não é só uma bandeira que se estende à frente, tem muitas questões que pedem uma reflexão""
por Adyr Assumpção, ator e diretor

Do início de sua trajetória, ele se recorda dos ecos dos anos 1960, quando essa busca pela brasilidade era muito evidente, e da ruptura que o regime militar provocou. “Na década de 1970, buscávamos religar as pontas no que diz respeito a fazer um teatro expressivo da brasilidade. Com o tempo, as coisas foram mudando. A liberdade de expressão foi restaurada, a despeito de continuar sendo atacada. Essa questão da estética brasileira no teatro continua nos intrigando e nos instigando”, diz.

 

Ele destaca o impacto das tecnologias da informação nas artes cênicas, mas avalia que alguns pontos sensíveis permanecem e que outros se impuseram, a partir dos muitos aspectos do fazer artístico que foram invisibilizados ao longo do tempo. “A contribuição do povo preto para a cultura brasileira está na pauta do dia. Isso não é só uma bandeira que se estende à frente, tem muitas questões que pedem uma reflexão. Olhando para trás, me sinto um bom velhinho, com a possibilidade de ainda poder pautar um trabalho interessante.” 

 

Equipe afiada

Além de Eduardo Moreira e de Ernani Maletta, a ficha técnica de “Leão Rosário” inclui Jorge dos Anjos, Lúcio Ventania e Eliezer Sampaio na cenografia; Heberte Almeida, na trilha sonora original; Camilo Gan na preparação vocal. Assumpção já dirigiu Moreira algumas vezes, mas ainda não tinha estado sob sua direção. “É um trabalho solo na frente, mas com muita gente boa, de diferentes gerações, na retaguarda para viabilizar esse trabalho. Isso me mostra que ainda tenho muito com o que contribuir”, diz Adyr Assumpção.

 

“LEÃO ROSÁRIO”
Texto e atuação de Adyr Assumpção. Estreia nesta quinta-feira (21/3) e permanece em cartaz até 22 de abril, com sessões de sexta a segunda, sempre às 19h, no Teatro II do Centro Cultural Banco do Brasil (Praça da Liberdade, 450, Funcionários – 31.3431-9400). Ingressos a R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia), disponíveis no site e na bilheteria do CCBB. Classificação indicativa: 12 anos.

compartilhe