O projeto “República Jenipapo” – parceria da Livraria Jenipapo com o Projeto República, da UFMG, coordenado pela professora Heloísa Starling – promove nesta terça (26/3), o lançamento do livro “Canção sertaneja e política agrária durante a ditadura militar”, de Marcela Telles Elian de Lima. O evento terá a presença da autora, de Heloísa Starling e do historiador e jornalista Paulo César de Araújo, autor de “Eu não sou cachorro, não” (2002) e “Roberto Carlos em detalhes” (2006).


A obra analisa como a música sertaneja cantou, naquele período, um embate entre duas linhas de pensamento acerca da vida no campo. A apresentação do livro contextualiza que, entre 1964 e 1985, um projeto de Brasil rural foi posto em curso pelo regime militar. A prioridade era ampliar a área de cultivo e modernizar a produção agropecuária dirigida para o mercado internacional.

 




“Canção sertaneja e política agrária durante a ditadura militar” objetiva apresentar as transformações políticas, econômicas e sociais decorrentes da implantação desse projeto, a partir das canções sertanejas.


Marcela aborda uma vasta discografia, que abarca nomes como Tonico e Tinoco, Milionário e José Rico, Léo Canhoto e Robertinho, Chitãozinho e Xororó, Trio Parada Dura, Almir Sater, Rolando Boldrin, Renato Teixeira, Sérgio Reis, entre outros.


“Fui criada na roça, o rádio só pegava AM, então os programas sertanejos dominavam, sempre escutei esse tipo de música, fazia parte da nossa paisagem sonora”, diz a autora. Quando ela foi fazer, pelo Projeto República, uma pesquisa sobre a questão agrária, tangeu a forma como o compositor popular tratou do tema durante o período da ditadura.

 


“Minha história afetiva voltou à memória. Fizemos um levantamento, em separado, dessa questão agrária no universo da música sertaneja. Focamos na discografia, que é muito ampla, e pensei que era isso o que eu queria fazer no meu doutorado, com esse recorte temporal entre 1964 e 1985. Analisamos discografia, figurino, discurso, tudo relativo aos artistas desse universo”, diz a autora.


Campo x cidade

Ela observa que boa parte desse cancioneiro trata de uma oposição entre a vida no campo e a vida na cidade. A pesquisadora lembra que, no período imediatamente anterior ao golpe de 1964, a questão agrária era uma das principais bandeiras político-sociais. O Estatuto da Terra, implementado pelo regime militar, criou as “áreas de colonização”, para diminuir a tensão no campo, escamoteando a ideia de reforma agrária, que era uma luta dos trabalhadores rurais, conforme aponta.


“Tirava-se a pessoa do lugar onde ela nasceu para levá-la para terras distantes, pouco povoadas, como a Amazônia, onde empresas de desenvolvimento pecuário começavam a atuar em larga escala. As pessoas tinham que enfrentar outra natureza, diferente daquela a que estavam acostumadas. Muita gente voltou, o que resultou, no final dos anos 1980, na criação do MST.”

 


Marcela observa que a dupla Cacique e Pajé cantava as dificuldades das populações indígenas no período, com as derrubadas das florestas. Por outro lado, havia um filão no universo sertanejo de canções ufanistas, otimistas com relação ao projeto militar de colonização, do tipo “o progresso chegou”. Várias duplas, como Tonico e Tinoco, se alinhavam com esse discurso, segundo ela.


“Curioso é que, num mesmo disco, podia haver canções exaltando o Mobral, o projeto Minerva ou a abertura de grandes estradas na Amazônia, e outras, como 'Saudade da minha terra', retratando uma paisagem que é diversificada, tem a vaca, a galinha, o porco, completamente diferente dessa outra paisagem que é resultante de uma indústria exportadora, com grandes pastagens, onde já não tem mais a diversidade, só monotonia”, observa.

 

 


Ela diz que essa é uma chave – a outra é que vários trabalhadores rurais migram para as metrópoles, tornando, pela primeira vez, a população urbana superior à rural. “Vários artistas do período traziam a lembrança daquilo que estava sendo destruído por um projeto que eles saudavam, pensando que ia ter escola e hospital para todo mundo. E tem canções como 'Apartamento 37', de Léo Canhoto e Robertinho, que já não focaliza mais o rancho, mas um jambiente urbano, da pessoa que está na periferia e vai para a boate”, cita.


Não há muitos registros de artistas do universo sertanejo que tenham sido perseguidos pela ditadura militar, por confrontá-la, segundo Marcela. Ela diz que uma exceção foi a dupla Dom e Ravel, de que Paulo César Araújo trata em seu “Eu não sou cachorro, não”. “Eles tinham música bem explícita de luta pela terra, mas a grande maioria, não. Tinha, sim, essa dualidade do tempo em que essas canções foram produzidas, com um pouco de ufanismo misturado com o sentimento de perda, a falta que o projeto desenvolvimentista trazia”, diz.

 

“CANÇÃO SERTANEJA E POLÍTICA AGRÁRIA DURANTE A DITADURA MILITAR”


Lançamento do livro e Marcela Telles Elian de Lima, nesta terça-feira (26/3), às 19h, na Livraria Jenipapo (Rua Fernandes Tourinho, 241, Savassi), com a presença da autora, de Paulo César Araújo e de Heloísa Starling. Entrada franca.

 

SERTANEJO ONTEM E HOJE

Não é preciso uma lupa nem tampouco grandes investigações para se constatar que, dentre os segmentos da música popular brasileira, o sertanejo foi o que mais claramente se alinhou ao bolsonarismo, a partir de 2018. Marcela Telles acredita, no entanto, que isso é um resquício da época da ditadura.

“Você sempre teve esse alinhamento mais conservador da canção sertaneja. Na era Collor, muitos foram para a TV apoiá-lo. Não é um posicionamento que brotou agora, com o bolsonarismo; ele apenas permitiu que esse conservadorismo fosse escancarado”, diz a pesquisadora.

 

 

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