"Não era uma vontade do Zé, mas a maior vontade dele. Tanto que, uma semana antes do incêndio, ele terminou uma reunião dizendo que o Parque do Bixiga era o que interessava", diz o ator Marcelo Drummond, viúvo do encenador.
Zé Celso morreu em 6 de julho de 2023, aos 86 anos, vítima do incêndio que destruiu o apartamento em que morava, no Paraíso, bem próximo ao Teatro Oficina, na capital paulista, sem ver realizado seu maior sonho.
Depois de pouco mais de quatro décadas, esta "maior vontade" pode ser concretizada. "Tudo aponta que vai sair", diz Drummond, que está no elenco de "Fausto", interpretando Lúcifer.
Na última semana, a Justiça de São Paulo homologou um acordo de R$ 1 bilhão firmado entre o Ministério Público, a prefeitura e a Uninove (Universidade Nove de Julho). Parte desse valor deverá ser utilizado para a compra do terreno (11 mil metros quadrados) que deverá dar origem ao Parque Municipal do Rio Bixiga.
O espaço, de propriedade de Silvio Santos, era reivindicado por Zé Celso. Foi o encenador que encabeçou o projeto de criar um parque na área; no passado, o empresário e apresentador planejou construir ali três grandes torres.
Drummond, assim como Ricardo Bittencourt, estava no apartamento que, na madrugada de 4 de julho, foi atingido por um incêndio. A tragédia ocorreu menos de um mês após a festa de casamento de Drummond e Zé Celso, que estavam juntos havia 36 anos.
Nove meses mais tarde, Drummond segue em frente, com dias bons e outros nem tanto. "Às vezes fico bem aflito, dou uma choradinha", conta ele, que se sente "mais do que na obrigação" de levar adiante a obra do marido.
"Quero fazer um acervo para consulta pública da obra dele, quero remontar as peças do Zé, pois pessoas que nunca viram não têm ideia do que era. Ele era tão grande quanto um Brecht, acho que o Zé é para o mundo. Agora, não sei como fazer, porque a vida urge a cada momento.”
O casal ocupava duas unidades do prédio onde vivia. Uma delas será devolvida ao proprietário. O ator continuará a morar na outra. "Pensei em sair de lá, mas (o incêndio) vai continuar na memória, não vai sair. Então preferi não deixar como um tabu."
Em 2007, o Teatro Oficina levou a Quixeramobim, no interior do Ceará, onde nasceu Antônio Conselheiro, o espetáculo "Os sertões", baseado na obra de Euclides da Cunha. A montagem, épica, parou a cidade. Recentemente, Drummond retornou a Quixeramobim após um convite para uma homenagem a Zé Celso.
"Chamei de 'Paraíso em obras'. É como um documentário ao vivo, pois conto coisas e faço alguns trechos de textos em que o Zé me dirigiu. Tem vídeo, muita imagem de várias épocas. Cheguei a apresentar também em São Paulo, em um evento fechado, para amigos, no dia do aniversário do Zé (30 de março). Começo no incêndio de cara, pois acho que tenho que trabalhar isto, já que não vai sair da minha cabeça. Mas foi muito bom para mim, um conserto, com ‘s’ mesmo", diz ele.
O trabalho não para, diz Drummond. Nem tampouco o Oficina. No próximo dia 12, volta ao cartaz no espaço o espetáculo "Mutação de apoteose", dirigido por Camila Mota, a primeira peça da companhia sob direção de uma mulher. Foi lançada em 2023, para celebrar os 65 anos do grupo.