os atores Grazi Massafera e Reynaldo Gianecchini deixaram a zona de conforto das 
novelas para viver o casal Eva e Vicente, pais de gêmeas cuja vida nada tem de cor-de-rosa -  (crédito: UFF/divulgação)

os atores Grazi Massafera e Reynaldo Gianecchini deixaram a zona de conforto das novelas para viver o casal Eva e Vicente, pais de gêmeas cuja vida nada tem de cor-de-rosa

crédito: UFF/divulgação


Com estreia hoje, a produção nacional “Uma família feliz” é um caso raro na longa relação entre cinema e literatura. Ao contrário do que dita a regra, o filme não nasceu do livro – foi justamente o contrário. O thriller de José Eduardo Belmonte estrelado por Grazi Massafera e Reynaldo Gianecchini tem roteiro de Raphael Montes.

 


A partir das filmagens, realizadas em 2022, o escritor se dedicou ao romance homônimo, lançamento da Companhia das Letras que chega às livrarias simultaneamente à estreia do longa. As histórias são complementares, diz Montes.

 

A sequência inicial já mostra que não há felicidade alguma ali. Vemos a personagem de Massafera enterrando um corpo infantil. Depois, ela corre para o carro, pega uma garotinha, a coloca no carro e se põe em alta velocidade na estrada. Uma colisão as espera.

 

 


Bebês reborn

 

A sequência termina e a narrativa começa do ponto inicial. Eva (Massafera), Vicente (Gianecchini) e as gêmeas Sara (Luiza Antunes) e Ângela (Juliana Bim) parecem uma família de propaganda de margarina. Ela está grávida de Lucas e tem um ateliê de bebês reborn (aquelas bonecas realistas). Ele deve se tornar, em breve, sócio do escritório de advocacia em que trabalha.

 


No começo da trama, o casal recebe os amigos para o aniversário de 10 anos das meninas. O espectador já sabe que é tudo ilusório. E o ocaso desta família tem início, de forma discreta, para mais tarde culminar em explosão de violência e loucura.

 


O machucado em uma criança não é nada normal. E as meninas, além do bebê recém-nascido, aparecem com marcas no corpo. Rapidamente Eva se torna a algoz dos filhos, questionada pelo próprio marido.

 

 


Diretor bastante prolífico, que não se prende a um gênero, Belmonte chega a seu 15º longa (em pouco mais de 20 anos de carreira) com um projeto cheio de referências. A mais imediata é o clássico “O bebê de Rosemary” (1968), de Polanski, que o diretor comenta ter vindo do próprio Montes.

 


“Sobre a mistura entre drama e policial, pensei muito nos thrillers franceses dos anos 1970, os filmes do Claude Chabrol, que têm muitos tempos reflexivos”, comenta Belmonte.

 

 


Quem acompanha a carreira do diretor desde os tempos do cinema independente em Brasília, vai encontrar a relação entre “Uma família feliz” e o curta “Dez dias felizes” (2002), sobre um jovem casal em vias de fazer um aborto.

 


“'Dez dias felizes' tem essa coisa de câmera dentro de casa, o que não era comum naquela época. Hoje, muitas pessoas têm (assim como os personagens do novo filme). Então, os dois filmes têm essa coisa contraditória. Tratam do espaço, que é aprazível (a casa de Eva e Vicente é o estereótipo da residência de condomínio de classe média alta), em que você tem liberdade. Ao mesmo tempo, é muito vigiado também”, acrescenta o diretor.

 


Zona de conforto

 

Colocar um “casal de novela” como Massafera e Gianecchini em papéis que os tiram da zona de conforto veio da vontade do diretor de trabalhar com a dupla. “São pessoas com o universo artístico muito sensível e com muita coisa para contar. Sempre procuro pessoas assim. Mas é claro que tem o phisique du role. Eles são também lindos, mas são muito mais do que isso.”

 


Gianecchini, que na segunda temporada de “Bom dia, Verônica”, série da Netflix criada por Montes, viveu um elogiado vilão, comenta por que só mais recentemente passou a se dedicar ao audiovisual. “Fiz bastante novela, mas sempre intercalada com teatro. De uns tempos pra cá, tive vontade de deixar de lado essa experiência e me desenvolver em outro jeito de contar histórias”, conta.

 

 


Para ele, este filme e a supracitada série lhe deram outra motivação. “Na novela, o melodrama é muito explícito. Se você está com raiva, grita; se está deprimido, chora. No filme, o Belmonte nos pediu o oposto. Disse que a gente tivesse as emoções dentro de nós, que fossem ocultas, pois é uma história sobre o que aquelas pessoas escondem. Foi difícil, mas muito legal, pois isso deixa o personagem super misterioso. Quando assisto ao filme (como espectador comum), vejo que não se sabe nada sobre o Vicente, pois tudo dele é escondido. Então, ele poderia tanto ser o mocinho como o vilão desta história”, afirma.

 

 "UMA FAMÍLIA FELIZ”


(Brasil, 2023, 115min., de José Eduardo Belmonte, com Grazi Massafera e Reynaldo Gianecchini) – O filme estreia nesta quinta (4/4) nos cines Contagem 7, às 16h25 e 18h45; Del Rey 5, às 20h45; Monte Carmo 6, às 16h25 e 20h50; Pátio 1, às 19h e 21h40 (qui, sex, sáb, seg e qua), 18h40 e 21h20 (dom), 19h15 (ter); e UNA Cine Belas Artes 1, às 16h10 e 20h30.

 

Criança de olhos vendados na capa do romance Uma família feliz

Detalhe da capa do romance de Raphael Montes, que chega agora às livrarias

Companhia das Letras/reprodução

 

LIVRO NASCEU NO SET


Raphael Montes pediu a Belmonte para acompanhar o set de “Uma família feliz”. “Vendo os atores fazendo cenas que não estavam no roteiro, como por exemplo a improvisação sobre como Eva e Vicente se conheciam, pude também conhecer mais os personagens. Depois que terminamos de filmar decidi escrever o livro”, conta.

 

No romance, Eva é a narradora. “É uma mulher que sofre pressões e tenta mostrar que está tudo bem. Só que em determinado momento ela passa a questionar a própria sanidade”, acrescenta.

 

“UMA FAMÍLIA FELIZ”


• De Raphael Montes.
• Companhia das Letras
• 352 páginas
• R$ 59,90 (livro) e R$ 29,90 (e-book)