Logo nas primeiras páginas, a mulher congolesa recebe a cabeça do marido com a notícia de que o corpo foi devorado por rebeldes da milícia que queriam absorver a coragem dele num gesto antropofágico. Revoltada com o ocorrido, ela se alista no Exército do país no intuito de ir para a guerra, mas, pouco tempo depois, percebe que as práticas da Força Nacional não se diferem muito das realizadas pelas milícias. Resignada, ela deixa seu país para se refugiar no Malawi.
Trata-se de Aisha (nome fictício), que está entre as 12 pessoas refugiadas que a jornalista Patrícia Espírito Santo, escritora e colunista do Estado de Minas, nos apresenta em “Há um lugar para mim na casa do meu pai” (Autêntica), livro que será lançado nesta quarta-feira (17/4), durante o Sempre um Papo, na teatro da Biblioteca Pública Estadual.
As histórias foram coletadas durante viagens que a jornalista fez para o Malawi ao longo dos últimos anos junto à ONG Fraternidade Sem Fronteiras, da qual Patrícia faz parte. O país da África Oriental, cumpre dizer, conta com campo de refugiados que abriga cerca de 60 mil pessoas de diferentes etnias, que fugiram de guerras civis.
“São muitas histórias difíceis, de muito sofrimento”, revela a autora. “A gente pensa que o sofrimento dessas pessoas acaba quando elas encontram o refúgio, mas não é bem assim. Elas vivem em constante sofrimento: nasceram em meio a disputas armadas, vendo familiares sendo mortos. Depois, precisam abandonar a terra natal e, quando finalmente encontram refúgio, não conseguem, na maioria das vezes, se manter no local porque não têm dinheiro”, acrescenta, lembrando que a Organização das Nações Unidas (ONU) atende apenas a uma parcela dos refugiados e, mesmo assim, com a doação de US$ 7 por mês.
Os 12 refugiados do livro são o retrato dos conflitos políticos que assolam países da África subsaariana. A República Democrática do Congo, por exemplo, embora seja na teoria um país democrático, há 30 anos vive grave crise política. Desde março de 2022, segundo levantamento do Médicos Sem Fronteiras, mais de 1,6 milhão de pessoas foram forçadas a deixar suas casas, passando a viver em acampamentos superlotados e em condições insalubres.
Ruanda, por sua vez, que é a terra natal de outro personagem do livro de Patrícia, vítima de genocídio em 1994, quando 800 mil pessoas foram mortas em 100 dias. E o vizinho Burundi enterrou 300 mil mortos entre 1970 e 2015, época em que o país experimentou diversas guerras civis e violação massiva dos direitos humanos.
Há, contudo, no livro de Patrícia, um personagem que destoa dos demais: o camaronês gay que buscou abrigo no campo de refugiados do Malawi. Ao contrário dos países já citados, Camarões desfruta de certa estabilidade política. No entanto, de acordo com as leis locais, a homossexualidade é crime. Por isso, o personagem, cujo nome também foi alterado, fugiu ao ter sua sexualidade revelada para não ser morto.
Novos laços familiares
Apesar de ter a violência como pano de fundo, “Há um lugar para mim na casa do meu pai” se apresenta como ferramenta para o leitor repensar ações e atitudes da própria humanidade, mas sem perder a fé, tendo como exemplo a resiliência dos personagens.
“Afinal, o que os mantém lutando por suas vidas, procurando novos laços familiares é a fé fervorosa que têm em Deus, a esperança de que um dia alcançarão o que até agora lhes foi privado”, conclui a autora, sugerindo de onde tirou a ideia do título do livro.
“HÁ UM LUGAR PARA MIM NA CASA DO MEU PAI”
• Autora: Patrícia Espírito Santo
• Editora: Autêntica
• Páginas: 152
• Preço: R$ 59,80 (à venda no lançamento e no site grupoautentica.com.br)
SEMPRE UM PAPO
Com Patrícia Espírito Santo, nesta quarta-feira (17/4), às 19h30, no teatro da Biblioteca Pública Estadual (Praça da Liberdade, 21, Funcionários). Em seguida, sessão de autógrafos. Entrada franca.