O que há em comum entre o rock sofrido dos emos e a sofrência da música brega? Para a dupla Felispe e Bruniño, tudo. Juntos, eles formam Os Chorões da Pisadinha, duo que faz remix divertidos de grandes hits do rock dos anos 2000 mesclando com ritmos do brega brasileiro, como a pisadinha, forró e o pagodão baiano. Eles já conquistaram mais de 15 mil seguidores, além de fazerem fãs fora da internet, com as festas e bloco de carnaval “Chora e rebola”.
A ideia do Brega Emo começou durante a pandemia. Felispe e Bruniño já eram amigos e até moraram juntos. Os dois já trabalhavam com música e, mesmo antes do isolamento social, eles já faziam versões bregas de músicas famosas, como “Desperdiçou”, de Sandy e Junior, e “Eu me apaixonei pela pessoa errada”, do Exaltasamba. Mas tudo não passava de uma brincadeira. Durante a pandemia, Bruniño voltou para a casa dos pais, no interior de São Paulo. Sem o trabalho e preso em casa, ele começou a fazer experimentações musicais e postar os resultados nas redes sociais. O retorno para a casa dos pais fez com que acendesse uma memória da adolescência: a música emo.
“Chegou um momento que eu tirei essas lembranças [da cabeça] e falei ‘pô, acho que tem tudo a ver a música brega e a música emo’. Se você for ver o cerne da música, ela fala mais ou menos dos mesmos temas, né? Aborda relacionamento, tristeza, você não tá se encontrando dentro de você, né? (...) O que diferencia é a roupa que veste aquela música”, explicou.
Foi então que surgiu a primeira música: ‘Razões e emoções’, do NX Zero, com a pegada especial da pisadinha. Foi um sucesso no perfil do músico, que percebeu que havia um nicho para se explorar. “Era algo que me abraçava porque eu gosto muito de música brega, de pisadinha e tudo mais e vivi muito esse período do emo, tinha banda emo e coisa e tal. E aí eu falei ‘pô, isso aí vai ser o encontro de dois momentos da minha vida que vai mostrar exatamente quem eu sou nesse momento’”, resumiu.
Empolgado, Bruniño quis transformar o novo projeto em um bloco de carnaval, mas, por conta da pandemia, a folia não aconteceu. Quando as atividades começaram a ser retomadas, surgiram vários convites para shows. E foi aí que Felispe embarcou no projeto. Enquanto Bruniño era emo de carteirinha na adolescência, Felispe não conhecia as músicas. Mas, como viveu alguns anos em Teresina (PI), viu de perto o boom do Forró Eletrônico.
“Acho que no mesmo nível que o emo pegou na adolescência do Bruno, o forró pegou na minha adolescência. Acho que é a mesma paixão que ele sente cantando uma música icônica da Fresno, eu sinto cantando uma música icônica do Mastruz com Leite ou do Aviões do Forró”, comparou. Por isso, quando veio o convite de Bruniño, Felispe ficou receoso. “Teve essa resistência inicial, né? Porque eu não conhecia muito bem as músicas, mas eu fui me sentindo à vontade. Ele sempre foi muito acolhedor nessa parte. A gente faz uma brincadeira que eu sou parte da pisadinha e o Bruniño é a parte do emo”, explicou.
Bruniño destaca que o distanciamento de Felispe é benéfico para a criação das versões das músicas. “Quando você tem um apego emocional com uma música, você fica meio preso com medo de mexer em certas coisas. E aí quando você pega um outro produtor que não tem esse apego emocional com a música, ele consegue visualizar o todo de uma forma menos apaixonada pela pela versão original, sabe? E aí ele consegue dar uns toques e colocar elementos que dão outra cara para música”, ressaltou.
Criatividade
Apesar de usar os vocais originais das bandas, Os Chorões da Pisadinha tentam se afastar ao máximo da gravação original em suas versões. “Uma das coisas que a gente mais fala no show é que a gente é diferente dos iguais. Se fosse pra gente fazer igual o original, não teria porque fazer. Porque a pessoa vai ouvir o original”, brinca Bruniño.
Com isso, não só eles mas também o público tem mudado a relação com as músicas. “As pessoas sentem aquela nostalgia por estarem cantando a música que ela viveu na adolescência, mas ela dança no ritmo mais brasileiro possível e brega possível. É uma junção que faz ela ao mesmo tempo ter essa nostalgia, mas viver uma nova experiência com aquela música que ela já conhece”, explica Felispe. Para o músico, a dupla tem uma grande responsabilidade, porque trabalham com a memória das pessoas e o trabalho de outras bandas.
Apesar de Os Chorões da Pisadinha lançarem basicamente versões novas de músicas antigas, Felispe e Bruniño não ficaram parados no tempo. Eles acompanham tendências, veem o que outros artistas estão produzindo, estudam novas batidas para as músicas e escutam o feedback do público. Para Felispe isso trouxe um grande crescimento pessoal. “Nós não somos descolados nessa área de produção, não temos cursos e nada assim, mas a gente é muito interessado e muito curioso, né? Acho que não só nós, como muitos produtores aí pelo Brasil estão conseguindo fazer coisas de forma gratuita com computador de casa”, refletiu.
As redes sociais também exigiram muito da dupla. Os dois não eram ativos na web, mas, por conta do projeto, tiveram que entender esse mundo digital. “Nós dois somos assumidamente cringe, a gente passa perrengue mesmo. A gente não tem nem Twitter assim, só a banda e quem cuida é a Rafinha, que é a nossa produtora. A gente tá indo aos pouquinhos assim, sabe? Sem vergonha nenhuma de passar vergonha”, apontou Felispe.
Mas o esforço tem dado certo. Os Chorões da Pisadinha têm feito diversos shows e sendo reconhecidos nas ruas e eventos que frequentam. Mesmo assim, a ideia é continuar investindo nas redes sociais. A estratégia foi manter uma constância na produção de conteúdo online. Toda semana, eles postam um novo remix em formato de vídeo no Instagram e no TikTok. Além disso, às segundas-feiras, fazem um carrossel de memes relacionados ao mundo emo.
No meio disso tudo, veio o carnaval e o projeto do bloco finalmente saiu do papel. “O bloco também deu um boom tanto na rede social quanto no reconhecimento das pessoas com a gente na rua, né?”, lembrou Bruniño. Ele ressalta que a criação de uma identidade visual também foi importante para esse lugar de reconhecimento do público. Foi então que eles adotaram cabelos diferentes, com cortes mulets, além de um figurino especial. O figurino vai se adaptando conforme a época do ano e os shows que são produzidos.
Além dos fãs, Os Chorões passaram a ser reconhecidos também pelas bandas de quem fazem as versões. Restart, NX Zero e Fresno já interagiram com os músicos, dando mais certeza de que a produção faz jus ao original.
Processo de produção
Como cada semana a dupla lança um novo remix, o processo produtivo é meio corrido. Junto com a produtora e a pessoa responsável pelo marketing, os músicos escolhem as músicas. Depois, cada um trabalha sozinho, de casa. Com a primeira versão pronta, o parceiro tem liberdade para fazer ajustes. Juntos, os dois aprovam a versão final.
Mas nem sempre tudo é simples. Um grande desafio são as músicas internacionais. Felispe lembra que a versão de “Perfet”, do Simple Plan, foi uma das que deu mais trabalho. “Eu não sei falar inglês, né? E antes de produzir a música, eu fui lá no tradutor. Quando eu fui ler eu fiquei tipo ‘essa música é muito triste, como é que eu vou transformar num forró?’ Aí eu vou pelo som, pelo que combina”, apontou.
Já Bruniño revela uma dificuldade técnica. Para o remix, eles precisam separar os elementos da música e isolar os vocais. A voz funciona, nesse caso, como um guia para construir o remix. “Eu tive dificuldade com uma música do Blink-182, que era muito antiga. Antigamente não se gravava num estúdio separadinho, né? Eles gravavam, principalmente banda de rock, todos juntos assim e meio que no feeling, não tinha muito metrônomo. Foi muito difícil de achar ali, onde era o começo, o meio e o fim. Tem essa dificuldade de colocar ela no tempo pra fazer a versão”, avaliou.
Para a produção, eles usam uma ferramenta de inteligência artificial que separa os áudios. “Tem uma coisa que facilita para nós também que a gente faz quase tudo quase tudo dentro do computador, né? É muito difícil a gente pegar realmente um instrumento musical para gravar em algum remix em alguma versão, geralmente a gente só pega quando tem uma frase muito específica que ficaria bonito na guitarra mesmo tocada. Mas geralmente a gente usa um teclado mid, a gente não usa esses instrumentos de verdade, né? Nos vídeos que a gente coloca no Instagram, a gente tá meio que tocando, né? E aí é muito bom que algumas pessoas falam isso, né? Nossa, tá muito legal isso que você tá fazendo e a gente fez tudo no computador, né?”, conta.
Volta do emo
Com o emo em alta, a dupla tem aproveitado as oportunidades de trabalho. Eles também comemoram a volta de algumas bandas para o cenário, como Restart e NX Zero. Mas avaliam como preocupante que alguns artistas não lancem novos produtos. “Tem muita banda fazendo cover de si mesmo, né? Acontece muito isso. Eu sou muito fã de Fresno justamente porque acho que é uma das únicas que sai da zona de conforto, faz uma coisa diferente, não fica preso aquele passado e acho que por isso que é um super sucesso. Se você ficar fazendo só aquela coisa do passado, você vai atingir uma parcela de pessoas menor mesmo. A gente amadurece, cresce e não quer mais falar sobre os mesmos assuntos e ouvir aquele mesmo tipo de música”, pontuou Bruniño.
Outro problema é que as bandas antigas têm ocupado um local maior que os novos artistas. “Se não colocar o artista novo, essa cena vai morrer de novo. Se eles [produtores de festivais] querem que seja uma cena que continua viva, então eles têm que fomentar os novos artistas também”, criticou.