Exibida entre janeiro e agosto de 2023, a novela “Vai na fé” (Globo), de Rosane Svartman, foi um estrondoso sucesso. Boa parte desse êxito veio de Théo Camargo Bastos, vilão que conduziu a narrativa com potência e carisma. O personagem foi muito bem interpretado por Emílio Dantas, que, não à toa, foi eleito o melhor ator do ano em diversas votações.


O ator carioca, de 41 anos, credita modestamente todo o sucesso ao projeto. “Um êxito muito mais da obra que do personagem. Considerei uma vitória da novela, do projeto que, sem sombra de dúvida, foi muito coletivo. Acho que talvez o mais coletivo de que tenha participado”, argumentou.

 

Abusador carismático

 

Algoz dos protagonistas Sol (Sheron Menezzes) e Benjamim (Samuel de Assis), abusador de mulheres e péssimo pai, Theo era o exemplo nítido de macho tóxico, mas foi adorado pelo público do sofá, assim como pela crítica especializada.

 


“Ele era o símbolo do homem branco rico, com privilégios, mimos, crimes, falta de caráter. Um personagem único dentro desse universo tão bem estruturado. E vilão, normalmente o personagem que movimenta a trama. Acredito que tenha rolado um destaque por conta disso”, afirma.

 



 

O lugar de “malvado favorito” é um ímã para Emílio Dantas. Algo parecido ocorreu com o traficante Rubinho, de “A força do querer”, que, em 2017, lançou o artista aos braços calorosos do público em seu segundo trabalho na Globo.


“Esses caras agradarem tanto é o clássico do clássico, né? (Estimulam) Essa vontade, muitas vezes, de querer consertar algo que está quebrado, de achar que tem essa possibilidade. Acho que aí vai para a psicanálise. O que a gente faz é trazer as possibilidades dessa maldade. O Rubinho tinha a questão do machismo na ganância, na vontade de ter tudo, de ter a mulher mais gata (a Bibi Perigosa, de Juliana Paes). O universo um pouco mais de ostentação, de querer mostrar que também pode. Já o Théo era um agente do caos realmente, o cara que ultrapassou a barreira da ostentação. A questão dele estava no psicológico. A maldade lhe fazia bem”, analisa.

 

Bibi Perigosa e Rubinho, o casal "Bonnie and Clyde" de "A força do querer", interpretado por Juliana Paes e Emílio Dantas

Raquel Cunha/TV Globo/divulgação


Esquerdomacho

 

Intérprete de dois homens perversos, especialmente na relação com o sexo oposto, Emílio admite que teve a oportunidade de se desvencilhar do machismo estrutural, recentemente, após protagonizar a série “Todas as mulheres do mundo”, clássico de Domingos Oliveira revisitado em 2020 pelo Globoplay.

 


Quando começou o movimento “Mexeu com Uma, Mexeu com Todas”, leu aquilo e achou um absurdo. “Queria me incluir nessa batalha: 'Não tem que ser para mexer com todos?'. Na minha cabeça machistinha, era a coisa de a gente precisar somar vozes, a quantidade era o que me parecia importante na época. Tinha muito mais a ver com o ego masculino de me mostrar empático com a situação do que a empatia em si, de entender que este movimento precisa de voz, e era importante que fosse completamente feminino”, admite.

 


Protagonismo secundário

 

Logo depois, veio a série – com equipe 80% feminina e histórias de mulheres que orbitavam em torno de um esquerdomacho –, mostrando a Emílio a importância da causa feminista.

 


“Ser protagonista secundário traz muita riqueza. Dando espaço para que as mulheres trouxessem seus personagens, percebi que isso é muito mais rico do que a gente tentar se colocar à frente, de colocar nossa opinião, que, muitas vezes, só parece importante para a gente mesmo. Foi muito positivo me colocar abaixo desse lugar de protagonismo, enxergar essas maravilhas e essas conquistas acontecendo. São milhões de valores que entraram: alguns eu ainda trabalho e outros já estão acertados”, resume.

 

 

“Acredito que o start de mudança é pessoal, só a gente sabe qual é o lugar que vai doer na gente para que a gente entenda a dor do outro. Infelizmente, o ser humano trabalha por esse viés egoísta”, afirma.

 


Ainda sob o figurino do boy lixo, Emílio Dantas pode ser visto na série “Fim”, sucesso recente do Globoplay protagonizado por Fábio Assunção, Marjorie Estiano e Debora Falabella. A produção criada por Fernanda Torres acompanha um grupo de amigos da juventude até a morte. Aborda, de forma poética e sarcástica, a finitude da vida – assunto que, para o artista, próximo à meia-idade, não é uma preocupação. “Zero neurose”, ele garante. (Patrick Selvatti)

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