Foi tudo muito rápido. Fosse qualquer um, desistiria da empreitada. Mas não José Celso Martinez Corrêa (1937-2023). Em menos de dois meses, ele recriou o texto e dirigiu uma montagem de "Fausto", com 12 atores e músicos em cena. O espetáculo, que chega na próxima sexta-feira (5/4) ao CCBB-BH, onde cumpre temporada de quatro semanas, acabou se tornando a última direção do encenador.

 


A história não começa com Zé Celso, mas com o ator Ricardo Bittencourt e o produtor Luque Daltrozo. Em meados de 2022, a dupla recebeu o aval do Sesc-SP para uma montagem a partir de "A trágica história do Doutor Fausto". Escrito pelo inglês Christopher Marlowe no final do século 16, é o primeiro registro dramatúrgico do mito alemão sobre um homem que faz um pacto com o diabo.

 


Mas não havia tempo para um longo processo. Zé Celso foi convidado para fazer não uma adaptação, mas uma recriação do texto elizabetano. Na época, estava trabalhando com o diretor e dramaturgo Fernando de Carvalho, do coletivo Liquidificador, de Brasília. Com o convite de Bittencourt, amigo próximo de Zé Celso (estava inclusive no apartamento incendiado em julho de 2023, tragédia que matou o encenador), Carvalho também entrou no barco.

 




"Foi muito proveitoso. Em duas semanas, fizemos a tradução e a adaptação. Eram 15, 16 horas trabalhando. O Zé se perdia no tempo, mergulhou no processo mesmo", conta Carvalho. No meio deste trabalho, veio a notícia. O diretor convidado para assinar o espetáculo, Paulo Dourado, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), desistiu do projeto.

 

Zé Celso Martinez Corrêa foi vítima de um incêndio em seu apartamento, em julho de 2023 

Jennifer Glass/Divulgação 

TEMPORADA EM SP

 

Se já estavam fazendo a adaptação do texto, não poderiam dirigi-lo também?, foi a proposta que Bittencourt fez à dupla. Não havia muito o que discutir, já que teriam apenas um mês para ensaiar. E assim foi feito: em 12 de agosto de 2022 "Fausto" estreou no Sesc Pinheiros, em São Paulo. Foi uma temporada de cinco semanas com casa cheia, mil lugares em cada sessão.

 


Mesmo que não tenha sido concebido como um espetáculo do Oficina, acabou se tornando tal, já que os atores são do grupo fundado por Zé Celso no final dos anos 1950. Terminada a temporada paulistana, a montagem não mais foi encenada. Retorna agora, primeiramente no CCBB de Belo Horizonte, e depois nas unidades do Rio de Janeiro (em junho) e Brasília (em setembro). Zé Celso estava a par das três temporadas que ocorreriam neste ano.

 

 


É um musical, mas não no formato convencional, obviamente. "Tem música do começo ao fim, e também muitas partes rimadas. Fizemos algumas rimas pobres, com gracinhas, abrasileiradas", diz Carvalho. São dois atos, que têm contornos bastante distintos. "O primeiro é mais tenso, aterrorizante, pois traz o pacto com o diabo. Já o segundo é quase uma revista de variedades", comenta.

 


O diretor usa um termo cunhado por Zé Celso para definir "Fausto": 'tragikomédiaorgia'. "'Fausto' fala dos demônios contemporâneos, do medo do outro, dos ódios da internet. O Zé, naquele período, estava sendo muito atacado", comenta Carvalho, que está em BH desde o início desta semana acompanhando a montagem.

 

 


Tudo foi mantido como na temporada inicial. O processo de trabalho, diz o diretor, é que está um pouco "melancólico" diante da ausência de Zé Celso. "A presença dele era muito vívida. Mesmo que estivesse com 86 anos, com o corpo delimitado, ele sabia de tudo o que estava acontecendo. E o Zé era muito amigo de todo mundo. Diferentemente de outros diretores clássicos, nervosos, ele era do amor, do afeto", afirma Carvalho.

 

 

"Sentimos todos muita falta dele, mas sentimos, ou melhor, sabemos, que a peça está no nosso corpo", acrescenta o diretor, que conviveu com Zé Celso nos últimos sete anos. "Tenho 50 anos menos do que ele. Mas sempre foi muito generoso na relação."

 

Para os neófitos em Teatro Oficina, um aviso: não tem ninguém pelado em cena. "É um 'Zé Celso' para baixinhos", brinca Carvalho, explicando que, em São Paulo, houve muitas crianças na plateia. "O texto do Marlowe foi que inspirou Shakespeare a colocar palhaços em suas tragédias. As crianças ficavam loucas com os palhaços feitos pelo Tony Reis e pelo Gui Calzavara. O Zé está sempre surpreendendo", afirma o diretor.

 


“FAUSTO”
O espetáculo estreia na próxima sexta-feira (5/4), às 20h, no Teatro 1 do Centro Cultural Banco do Brasil (Praça da Liberdade, 450, Funcionários). Temporada de segunda a segunda, às 20h, até 29/4. Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia), à venda na bilheteria e no site. No domingo (7/4), às 17h, haverá bate-papo com diretor e elenco. Duração: 2h30 (incluído intervalo de 15min). Mais informações: (31) 3431-9400.

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