Rök é uma antiga palavra nórdica que significa névoa ou destino. Flöte é a grafia alemã para flauta. Foi a partir da junção de um termo de natureza misteriosa com o instrumento pelo qual é conhecido que Ian Anderson conceituou o 23º álbum de estúdio, em 55 anos de Jethro Tull.


Lançado há um ano, "RökFlöte" é o mote da nova turnê que traz, mais uma vez, a veterana banda britânica a Belo Horizonte. Também novamente a capital mineira abre o giro, com show nesta terça-feira (9/4), no Arena Hall.

 



 

Ao seu lado, Anderson, de 76 anos, terá David Goodier (baixo), John O'Hara (teclados), Jack Clark (guitarra, entrou na banda no início do ano, em substituição a Joe Parrish) e Scott Hammond (bateria). O Jethro Tull teve, até o momento, 28 instrumentistas – somente Anderson permanece desde o início.

 

Na entrevista a seguir ao Estado de Minas, o líder do Jethro Tull fala sobre o novo trabalho, a longa trajetória da banda e envelhecer em cena. E avisa: o show terá canções de toda a carreira do grupo, até os tempos atuais. "Você pode esperar um bando de velhos se divertindo. E está convidado para a festa desde que não faça barulho ou interfira no show. Ou que passe a noite com o celular ligado."

 

Como foi o início da produção de “RökFlöte”?


Com certo desespero, porque sempre que reservo um tempo para fazer um disco sou movido por uma sensação de que tenho que ser criativo. Não é apenas sentar, relaxar e ver se consegue uma ideia para uma música. Você tem que trabalhar.

 

Quando estou escrevendo música, meu dia começa às 6h da manhã, porque sou madrugador. Mas, em termos de fazer música, normalmente trabalho das 9h às 12h30 e depois à tarde, provavelmente das 15h às 21h. É fácil para mim manter uma rotina. Não espero a inspiração me encontrar, vou procurá-la. Se não a encontro, fico muito irritado.

 

 

Você estudou a mitologia nórdica para fazer o disco?


Fiz um grande estudo sobre a mitologia nórdica apenas porque estudei antes tudo das mitologias grega, romana e hindu. Decidi pela nórdica porque é a parte do mundo de onde provavelmente vieram meus antepassados. Em segundo lugar, porque é complicada, por causa das associações óbvias que se tem com o lado sombrio e assustador da natureza humana.

 

Essa fascinação pela superioridade racial e pelo nacionalismo em suas formas extremas. É um mundo duro e muito masculino, mas meu interesse real era dar uma olhada despreocupada em uma religião absurda de humanos superiores se passando por deuses. Não estou fazendo nenhuma piada, mas um olhar sincero para alguns desses deuses nórdicos.

 

 

 

Você é o cara que mantém a flauta viva no rock. Vê algum sucessor?


Aquela que mais recentemente reivindicou destaque como flautista é a americana chamada Lizzo, musicista com formação clássica. Ou seja, uma flautista de verdade. Mas outro dia li que ela estava abandonando a música porque não gostava do abuso e do lado controverso do relacionamento com os músicos, fãs e a mídia. Então talvez ela tenha ido embora, não sei.

 

Sobre a flauta, ela não é realmente um instrumento muito adequado no contexto do rock, então nunca seríamos muitos. Olhe os guitarristas que a gente conhece – devem ser 100 para um flautista.

 

 

O que você destaca em tocar com um número tão grande de instrumentistas?


Eu não sei se você é fã de futebol. Eu não, mas, se você for, provavelmente tem um time favorito. Se você olhar para os últimos 55 anos desse time, aposto que eles tiveram mais goleiros do que o Jethro Tull teve baixistas ou bateristas. As pessoas mudam em um relacionamento. Em um relacionamento artístico também. Elas também passam a fazer outras coisas ou envelhecem.

 

Às vezes, infelizmente, envelhecem e morrem. Falo isso porque há apenas alguns dias escrevi um pequeno artigo sobre um de nossos bateristas (Gerry Conway, que tocou com a banda nos anos 1980) que morreu há pouco (no último dia 31 de março, aos 76 anos). Durante este tempo todo de banda, só consigo pensar em duas ou três pessoas que realmente decidi que deveriam sair por causa de algo que fizeram. Mas a maioria saiu porque queria seguir em frente.

 

Houve ainda pessoas que pedi que voltassem. Acho que ficaram satisfeitos por eu ter pedido, mas ainda achavam que não era a coisa certa a fazer. Então, a ideia de continuar com o mesmo grupo de caras com quem você começou é improvável 55 anos depois.

 

 

Envelhecer em cima do palco não deve ser fácil. O que você não pode fazer hoje em dia?


Sou muito ciente de que, fisicamente, as coisas ficam mais difíceis. Quando eu tinha 20 anos, eu podia enlouquecer por 35 minutos no palco antes do Led Zeppelin entrar (o Jethro Tull foi a banda de abertura do grupo de Jimmy Page e Robert Plant).

 

Hoje, vejo isso como treinar na academia por duas horas com um intervalo de 15 minutos. Fisicamente, é difícil, mas o trabalho mental também é. São milhares de notas para lembrar, milhares de palavras para lembrar. Quando achar que isto ficou impossível para mim, é claro que vou parar. No momento, está tudo bem. Mas estou ciente de que tenho que ter cuidado.

 

Não farei nenhum show ao ar livre neste verão porque, no ano passado, peguei temperaturas de 40 graus no palco em três ocasiões. Isto não seria seguro para um tenista de 20 anos, certamente não é para um homem de 76. Só tenho um show ao livre em agosto. Mas será no Norte da Noruega. Estarei rodeado de icebergs.

 

A nova turnê tem início em Belo Horizonte, assim como a primeira que o Jethro Tull fez no Brasil, em 1988. Em 35 anos, vocês vieram várias vezes ao país. Isto tem relação com alguma preferência?


A gente poderia dizer a mesma coisa sobre Argentina, Chile, Portugal, Espanha, Itália, Alemanha. Há alguns países que visitamos há muitos e muitos anos e alguns deles se abriram para nós no final da década de 1980. Eu não toquei na Rússia, por exemplo, até o final do último milênio, porque não era possível ir lá.

 

E agora não é possível ir lá novamente, tivemos que cancelar nossa turnê russa. Não irei a Israel tão cedo. Acho que há vários lugares que provavelmente já visitei pela última vez. Não é minha intenção que assim seja, mas é assim que tem que ser politicamente e em decorrência do comportamento de alguns líderes nacionalistas. Não é possível visitar países dos quais discordo veementemente de sua política. E é também por isso que não tenho atualmente um plano de viagem para os EUA. Vou esperar o que vai acontecer nas próximas eleições.

 

JETHRO TULL
Show nesta terça (9/4), às 21h, no Arena Hall (Avenida Nossa Senhora do Carmo, 230, Savassi). Ingressos: cadeira numerada premium – R$ 550 (meia), R$ 660 (meia solidária) e R$ 1,1 mil (inteira); cadeira numerada: R$ 450 (meia entrada), R$ 540 (meia solidária) e R$ 900 (inteira); arquibancada: R$ 350 (meia), R$ 420 (meia solidária) e R$ 700 (inteira). À venda na bilheteria e no Sympla.

 

Visitante frequente

O Jethro Tull foi uma das primeiras grandes bandas internacionais a se apresentar em Belo Horizonte. Em julho de 1988, tocou no Mineirinho, abrindo a turnê brasileira (a primeira no país) que celebrava os 20 anos da banda. Anderson, que havia se machucado antes de chegar ao Brasil, chegou ao palco numa cadeira de rodas.

 

Desde então, foram outros quatro shows em BH. Como Jethro Tull, somente em 2007, na mesma Arena Hall (na época, Chevrolet Hall). Em 2015 (no Palácio das Artes) e 2017 (na mesma arena do São Pedro, então chamada KM de Vantagens), Ian Anderson fez o show com o repertório da banda, mas com outra formação.

 

E em 10 de março de 2020, um dia antes da Organização Mundial de Saúde (OMS) declarar o início da pandemia de COVID-19, o guitarrista Martin Barre, que integrou o Jethro Tull por três décadas, fez no Sesc Palladium show que celebrava os 50 anos de criação da banda.

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