Belo Horizonte se torna cada vez mais cosmopolita sem perder de vista sua identidade enraizada na mineiridade. Hoje, a capital ganha mais um espaço de arte que tem sua origem na cozinha mineira. Explico: será inaugurada a Calsa Nelsa - Residência Artística Territoire Sensible Xapuri, casa dedicada a produções artísticas nacionais e internacionais, no ambiente da antiga residência de Nelsa Trombino, fundadora e chef do Restaurante Xapuri, que elevou a culinária mineira a um novo patamar de
reconhecimento.



Dona Nelsa morreu em maio de 2023 e a filha, Fabiana Figueiredo, decidiu homenageá-la e dar continuidade à valorização e apoio contínuo da mãe às artes plásticas. Fabiana é fotógrafa e mora na França há 23 anos, com o marido Pierre Devin, reconhecido diretor artístico, editor e fotógrafo de arte. Juntos, eles fundaram em 2016 o Territoire Sensible.

Seguindo os valores familiares, Fabiana idealizou a Casa Nelsa, um espaço francobrasileiro disponível para ocupações artísticas nacionais e internacionais. Assim, ela leva a arte para um espaço icônico da gastronomia, no qual sua mãe, uma apaixonada por arte, enxergaria a união perfeita: "Consideramos a gastronomia uma arte do paladar, do olfato, da visão e também audição. A gastronomia brasileira é, talvez, um dos maiores fenômenos da contemporaniedade. Os chefs alcançam muito sucesso e celebridade, considero que são importantes formadores de opinião. Nelsa era uma artista da mesa, acho coerente que sua casa seja um espaço de liberdade, de construção e discussão da arte como instrumento fundamental de sobrevivência", destaca Fabiana.

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Aliás, os três filhos de Dona Nelsa seguem a trajetória com origem na matriarca. Flávio Trombino há alguns anos se tornou o chef da cozinha Xapuri, na arte culinária, com seu talento sendo reconhecido em eventos no Brasil e exterior. Fernanda Trombino está à frente da loja Xapuri Brasil há 20 anos e faz curadoria cuidadosa e exclusiva da arte e do artesanato nacional, viajando pelo país em busca dos tesouros produzidos por sua gente.

Minas, BH, o Brasil têm artistas renomados, exaltados, reconhecidos, talentosos, ainda que, às vezes, a arte possa parecer distante de uma parcela importante da população. E a Casa Nelsa chega para democratizar ainda mais este acesso, já que há, sim, um público ávido por arte para encarar a vida: "Falando especificamente do Brasil, acabamos de viver um momento catastrófico, a ascensão e solidificação do fascismo no último governo que desmantelou todos os meios de produção de arte e cultura do país. E para complicar mais ainda tivemos a pandemia do COVID que quase "enterrou" os artistas brasileiros. O Territoire Sensible tem como objetivo principal a construção, produção e promoção da arte e cultura como direito fundamental da espécie humana, ou seja a poesia como direto fundamental de todos. Temos a preocupação de discutir constantemente a relevância e extrema necessidade de mais arte, mais cultura nas escolas, nas favelas, nos projetos sociais, nas comunidades desprivilegiadas de justiça social.  A Casa Nelsa é um braço direito do Territoire Sensible que formamos em 2016 na França com um grupo de fotógrafos franceses e brasileiros, alguns estarão expostos na Casa Nelsa".

No Conselho Curatorial da Casa Nelsa estão os próprios Pierre e Fabiana, Carminha Macedo, Marília Andrés Ribeiro, Jorge dos Anjos e Tibério França. A Casa X, nome dado pelo seu projetista, o arquiteto João Diniz, em 1982, também sediará cursos e eventos artísticos, na divulgação e preservação do patrimônio cultural contemporâneo.

O diferencial da Casa Nelsa: cooperativa de artistas 

A Casa Nelsa chega com um diferencial: uma cooperativa de artistas, um espaço de arte onde todos estão envolvidos: "Nossa intenção é que ética e estética caminhem juntos, e também a sociabilização da arte. Por isso, consideramos que a plataforma e o site  são importantíssimos para deixar um rastro das  obras e dos projetos. Consideramos que as exposições são transformadoras mas efêmeras, o que resta é a memória e o registro no catálogo, no livro. Pierre Devin, nosso diretor artístico, é um dos mais importantes editores de fotografia nos anos 1980,1990 e 2000. Criou e dirigiu, por 30 anos, o Centre Régional de la photographie-Nord pas de Calais, até sua aposentadoria em 2006. Criou e dirigiu a missão mais longa da história da fotografia, a Mission Photographique Transmanche, que durou 30 anos e 27 monografias de autor", destaca Fabiana.

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Fabiana explica que a Mission Transmanche discutia a Europa unificada, a globalização, a moeda única, a fibra ótica, e todas as consequências dessa "globalização", que parecia "uma verdadeira maravilha": "E que resultou na desarticulação da indústria francesa, siderúrgicas, metalúrgicas e as minas de carvão, deixando para traz um norte de desemprego, alcoolismo, depressão e o maior índice de suicídio feminino da Europa. A construção do túnel da Mancha era um símbolo muito vivo dessa "unificação". Para o Centre Régional de la Photographie Nord Pas de Calais (CRP) Pierre Devin constituiu uma coleção de fotografias, uma biblioteca e artoteca (aluguel de obras) mais importantes da França. Depois da sua aposentadoria como "funcionário do estado", em 2006, partimos para nossos projetos privados e cooperativos, assim nasceu o Territoire Sensible em 2016 e a Casa Nelsa em 2024".

Oficinas de gastronomia

Fabiana revela que "não teremos restaurante dentro da casa, o Xapuri é uma referência para Minas Gerais, mas temos intenção de fazer cursos e oficinas também de gastronomia". 

No coquetel inaugural da Casa Nelsa, exclusivo para convidados, neste 12/04, as comidinhas ficam por conta do próprio Flávio Trombino e de Adir Pereira.

A curadoria da Casa Nelsa, os artistas

E a curadoria da Casa Nelsa será especial e criteriosa. Fabiana enfatiza que, além dos conselheiros-curadores, com Pierre Devin, Marília Andrés Ribeiro, Tibério França, Jorge dos Anjos e ela, "faz parte de uma cooperativa que as discussões sejam extremamente democráticas. Nessa primeira ocupação resolvemos fazer uma curadoria afetiva, ou seja, todos os artistas que foram meus "influenciadores" desde 1980, quando mudamos para Belo Horizonte. Tem amigos dos anos 1980, 1990, 2000, 2010,2020.
Muitos amigos e muitas décadas".

Na abertura da Casa Nelsa, neste 12 de abril, restrita a convidados, poderão ser apreciadas obras dos brasileiros Jorge dos Anjos, Carlos Coelho, Eustáquio Neves, Nair Benedicto, Helena Rios, Fabiana Figueiredo, Fábio Cançado, João Diniz, Ronaldo Fraga, Clô Paoliello, Celso Brandão, Marcelo Greco, Pedro Amaral, Isis Medeiros, Márcio Távora, Eri Gomes, Bernardo Dorf, Flávia Tojal, Tibério França, Rafael Cançado, Fausto Chermont, Bernardo Brant, Jayme Reis, Marcelo Dolabela, Silma Bijoux Ohara, Érico Moreira, Will Lobato, Fernando Pacheco, Nina Takai, Agnaldo Pinho, Mariana Devin, Luísa Trombino, dos franceses Raymond Debiève, Bernard Plossu e Pierre Devin, dos belgas Daniel Michiels e Marc Trivier e do suíço Alex Loye.

Em seguida, nos dias 13 e 14 de abril a exposição será aberta ao público, que poderá frequentar também um bazar com peças vintage, objetos de casa, bijoux, roupas; e saborear as delícias culinárias do buffet Le Banquet da Loucura, da chef Mariângela Gusmão.

A Casa receberá visitas guiadas, agendadas pelo telefone (31) 9 7237-3840.

Na história da gastronomia mineira: Nelsa Trombino

Nelsa Trombino fundou o restaurante Xapuri, casa gastronômica icônica na região da Pampulha, em Belo Horizonte. A cozinheira fez história na gastronomia mineira. Paulista, filha caçula de imigrantes italianos, ela foi criada dentro da cozinha, seu lugar predileto da casa. Ao se casar e mudar-se para Minas Gerais, aprimorou suas técnicas culinárias em cidades do interior, quando morou em fazenda. Anos mais tarde, se mudou para BH onde abriu, em 1987, o Xapuri, agora comandado por Flávio Trombino, seu filho.

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Dona Nelsa morreu aos 84 anos, no dia 30 de maio de 2023. Sua vida de cozinheira foi contada no documentário 'A dona do tacho', filme de Marcelo Wanderley (direção) e Rafael Rocha (roteiro). Uma trajetória espetacular e de luta pela preservação da tradição na gastronomia mineira. Entre tantos feitos,  a liberação do uso do tacho de cobre na feitura de doces foi uma de suas batalhas vencidas.

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