A pelúcia e a aspereza, as cores vibrantes e a violência, o atrativo e o repulsivo – são os antagonismos que atravessam a produção da artista visual paraense Berna Reale e que poderão ser conferidas na exposição “Ruídos”, que entra em cartaz nesta quarta (10/4), no CCBB-BH.


Com curadoria do jornalista e crítico de arte Silas Martí, a mostra reúne 28 obras, que se valem de diferentes suportes e formas de expressão: performance, fotografia, vídeo, objetos e pinturas.

 

“Ruídos” compreende um período de produção da artista que vai de 2009 a 2023, com criações que propõem uma reflexão sobre a condição humana diante da desigualdade de gênero, econômica e social, bem como da violência.




Das 28 obras, cinco são vídeos, exibidos em sequência, que registram performances. Berna destaca que a curadoria buscou um equilíbrio entre as linguagens, de forma a mostrar a diversidade de seu trabalho. “Costumo dizer que sou uma artista visual, não sou nem performer, nem pintora, nem desenhista; trabalho num lugar de convergência dessas formas de expressão. Quando vou criar, penso na parte conceitual, que diz respeito ao que quero falar, e também em como a estética pode me ajudar a falar daquilo da melhor maneira. Existe sempre uma conversa entre o conceito, que é a ideia, e a forma”, afirma.


O foco de interesse temático de Berna Reale é a questão social, “a questão da violência, às vezes silenciosa, às vezes não, mas, no geral, questões coletivas, seja no âmbito público ou privado”. O curador observa que quem encara o público logo na entrada da mostra – que ocupa as salas do térreo do centro cultural – são figuras tristes pintadas pela artista sobre chapas de metal.

 

“O calor da tinta espessa nessas telas delimita rostos em chamas, dilacerados, roídos. É o retrato do nosso trauma disfarçado em excessos, do paraíso que também é inferno”, escreve ele, no texto de apresentação.


Retorno à pintura

Vale ressaltar a inversão cronológica que o projeto expositivo propõe. Impossibilitada de fazer o registro de performances em espaços abertos durante o período da pandemia, a artista retornou à pintura – expressão a que só havia se dedicado durante seu tempo na universidade.

 

São obras que, segundo o curador, dialogam muito bem com as demais, a despeito dos suportes muito diferentes. “No futuro, quero fazer uma exposição só de pinturas, pois uma expressão não mata a outra”, diz Berna.

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A última sala do percurso de “Ruídos” traz o registro de uma das primeiras performances da artista, intitulada “Quando todos se calam” – possivelmente a mais famosa, que a tornou conhecida nacional e internacionalmente. Nessa ação, ela aparece deitada, nua, coberta de vísceras, para o deleite dos urubus no mercado Ver-o-Peso, em Belém. “É o país da luxúria ilusória, de cores berrantes e afagos de veludo, e ao mesmo tempo é o centro da carnificina, um banquete servido aos abutres”, aponta Martí.


Ele observa que a vivência de Berna como perita criminal – área em que começou a atuar no início da década passada, quando já estava estabelecida no cenário das artes visuais – deu a ela a intimidade com os cadáveres, “o produto final de pátria armada”. Martí ressalta que as obras reunidas em “Ruído” têm o poder de impactar o público e denunciar a violência contra os grupos sociais mais vulneráveis, em especial as mulheres.


Cores fortes

A artista pontua que as cores fortes que utiliza em suas últimas fotografias, das séries “Cabeças raspadas” e “Blitz”, ambas de 2022, devem-se à contemporaneidade, inclusive na moda – expressão que, conforme diz, também lhe interessa muito. “Estamos vivendo em um momento de cores fortes e metalizadas, e eu sou uma artista do meu tempo, viajo nele.”


Martí, por sua vez, salienta que o trabalho de Berna recria, hoje, as estratégias do barroco, na medida em que impressiona pela exuberância. Ele ressalva que, ao mesmo tempo, são obras que impõem uma dura realidade aos sentidos. “É teatral, é chocante, mas tem um traço de realidade crua como espinha dorsal”, pontua.


“RUÍDOS”
Individual de Berna Reale, em cartaz a partir desta quarta-feira (10/4) até 10/6, nas galerias do térreo do CCBB-BH (Praça da Liberdade, 450, Funcionários, 31.3431-9400), de quarta a segunda, das 10h às 22h. Entrada gratuita, mediante retirada de ingresso na bilheteria ou no site do CCBB. Classificação indicativa: livre (determinadas obras da exposição apresentam cenas de nudez e/ou violência como parte integrante da expressão artística e serão sinalizadas com totens na entrada das salas).

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