Nos 12 anos em que trabalha com atendimento ao público infantil e idoso, a trupe de palhaços do Instituto Hahaha já viu de tudo um pouco. Desde as mais divertidas histórias até as mais comoventes, como a de uma idosa moradora de uma instituição de longa permanência que aguardava ansiosamente a chegada da trupe, sempre com um pudim feito por ela. Certo dia, porém, quando os palhaços chegaram ao local, encontraram somente o pudim na geladeira. A senhora havia morrido na véspera da visita.
A situação deu origem ao esquete “Pudim de oito”, que integra o espetáculo “Viva”, do Instituto Hahaha, em cartaz desta sexta-feira (12/4) a domingo (14/4), no Teatro Sesiminas, com apresentações gratuitas.
Em pouco mais de uma hora, os palhaços Daniela Rosa, Daniela Perucci, Juliene Lellis e Francis Severino apresentam ao espectador oito histórias de suas vivências junto a moradores de instituições de longa permanência para idosos. Esse número final é resultado de um filtro pelo qual passaram 5 mil histórias provenientes de visitas dos palhaços aos idosos.
O elenco é apenas um pequeno recorte do número de integrantes do Hahaha. “Atualmente, nós temos 23 palhaços, mas, no espetáculo, estão aqueles que são os mais veteranos”, conta a diretora artística da peça e uma das fundadoras do instituto, Gyuliana Duarte.
Num formato híbrido, que mescla performance, música e projeções gráficas, os relatos dos quatro palhaços trazem à tona questões como longevidade, respeito à dignidade da pessoa idosa, sexualidade e morte. Para amarrar tudo, o grupo contou com o apoio do ator e dramaturgo Nereu Afonso da Silva.
Teatro documental
Os atores, contudo, não interpretam os idosos, numa espécie de reconstituição da cena narrada, explica Raquel Castro, que dirige a peça e é especialista em teatro documental e temáticas da pessoa idosa e do circo tradicional.
É o primeiro trabalho dela com o Hahaha. Como já conhecia integrantes do grupo e tinha afinidade com a temática proposta pelo espetáculo, seu nome surgiu naturalmente na hora de escolherem quem assumiria a direção do espetáculo.
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“A gente preferiu dar um viés mais documental para o trabalho. Tem uma coisa meio inusitada aí, que é a mistura dessas duas linguagens (palhaçaria e teatro documental). Os palhaços cantam, tocam instrumentos, fazem uma entrada tradicional de circo, permeando essa linguagem da palhaçaria, para tratar de história reais, trazendo esse viés de teatro documental”, acrescenta.
A linguagem documental citada por Raquel vai além das histórias reais compartilhadas com os espectadores. Há também elementos cênicos, como fotos e vídeos das cenas narradas, interpretações de músicas que os idosos costumavam pedir para os palhaços cantarem nos encontros – "Chalana", de Almir Sater; "Beijinho doce", das Irmãs Galvão; e "Menino da porteira", de Sérgio Reis, costumavam ser as mais pedidas e, por isso, estão no espetáculo – e até referências pessoais dos idosos retratados.
Na trilha do espetáculo há ainda músicas de autoria dos integrantes do grupo. São canções que transitam por diferentes estilos, como samba, choro, tango e coco.
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“Foi feita uma música só para a senhora que sempre recebia os palhaços com pudim”, comenta Raquel. “No caso dessa senhora, há também projeção da receita do pudim, que foi desenvolvida por ela. O próprio nome do esquete, ‘Pudim de oito’ também é uma referência a essa receita, porque ela sempre colocava oito medidas de todos os ingredientes necessários”, emenda a diretora.
Para rir e chorar
Embora trate de temas tocantes, Raquel garante que “Viva” não é um drama cuja proposta é levar o espectador às lágrimas – ainda que ela afirme que seja “um espetáculo para rir e para chorar”.
A dramaturgia navega por uma linguagem leve, resultado do trabalho dos palhaços com os idosos e tem como principal objetivo criar no público um sentimento de identificação com as personagens retratadas.
Gyuliana faz eco à ideia da diretora. Para ela, “o palhaço tem poder de tratar questões sérias de maneira mais suavizada”. “O palhaço faz isso de forma poética e afetuosa, abrindo o coração para as pessoas que estão em espaços de vulnerabilidade”, diz ela.
“Estamos propondo uma reflexão sobre a dignidade da pessoa idosa, sobre como a gente quer chegar lá. Porque, daqui a alguns anos, Belo Horizonte vai ter um número equivalente de jovens e idosos, de acordo com dados do IBGE. Então queremos promover, no palco, esse encontro entre jovens e idosos”, afirma Raquel.
“VIVA”
Texto: Nereu Afonso da Silva. Direção: Raquel Castro. Com: Daniela Rosa, Daniela Perucci, Juliene Lellis e Francis Severino. Nesta sexta (12/4) e sábado, às 20h; domingo (14/4), às 15h, no Teatro Sesiminas (Rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia). Entrada franca, mediante retirada de ingressos na bilheteria do teatro ou pelo site Sympla. Mais informações: (31) 3241-7181.