Joana d'Arc (1412-1431): francesa que lutou na Guerra dos Cem Anos (1337-1453). Maria Quitéria (1792-1853): baiana que lutou na Guerra da Independência do Brasil (1821-1824). Mais de três séculos separam as trajetórias destas duas mulheres, ambas consideradas heroínas por seus respectivos países. É sobre diferenças, mas também semelhanças, o livro "Revolucionárias" (Planeta), da socióloga Isabelle Anchieta. O lançamento será nesta terça (16/4), no auditório da Cemig, no projeto Sempre um Papo, em conversa com a jornalista Leila Ferreira.
Na academia, a autora vem pesquisando a história das mulheres há mais de uma década. Sua tese de doutorado, "Imagens da mulher no ocidente moderno" (USP, 2014), acabou dando origem ao livro homônimo (Edusp, 2021), com três volumes.
"Neste primeiro trabalho, observei que as mulheres tinham achado formas de encontrar sua liberdade. Ao final, percebi que havia aquelas que enfrentaram o sistema de forma direta, frontal. Daí surgiu a ideia de recuperar mulheres que, ao longo da história, e de uma maneira não tão sutil (fizeram o mesmo)", afirma.
"Revolucionárias", desta maneira, seria um primeiro título. "Começo tratando de armas, pois não há subversão mais frontal do que a guerra, considerado um terreno 'masculino'". Para tal, Isabelle Anchieta percorreu os lugares onde viveram Joana d'Arc na França, na Idade Média, e Maria Quitéria na Bahia, em uma colônia prestes a alcançar sua independência.
"Minha intenção, ao aprofundar as histórias destas mulheres, era entendê-las no contexto da época, e com suas contradições", continua Isabelle. Na França, leu toda a documentação em torno de Joana d'Arc. "Fui, sobretudo, atrás das imagens, obras de arte, representações usuais. Muita coisa se escreveu sobre ela, que talvez seja a mulher mais documentada da Idade Média. Mas eu ousaria dizer que ninguém fez, na sociologia, uma análise a partir da iconografia em torno dela."
Líder do Exército
A partir de extensa bibliografia, Isabelle tentou se aproximar de um fato que a intrigava. "Em termos de uma mulher real, sabemos pouco. O que me causou curiosidade foi como uma mulher de 17, 18 anos (ela foi queimada viva aos 19, em Rouen, condenação decorrente de heresia), uma camponesa, conseguiu ser líder do Exército francês. A liderança, no século 15, era só de homens nobres. Então, queria entender que recursos utilizou para conseguir mudar isto usando as regras do jogo."
Para a pesquisa em torno de Maria Quitéria, a autora diz que o jogo foi invertido. "Foi um desafio extremo, pois tinha um material muito escasso. Minha ida para a Bahia foi fundamental, pois pude ir atrás dos arquivos. Do pouco que já foi escrito sobre ela, fui montando a minha própria versão."
O que as une, diz Isabelle, foi o fato de serem "oriundas de comunidades rurais que vão forjar um tipo de personalidade da mulher com coragem física. Naquele contexto, o Brasil tinha as mulheres muito controladas até para sair de casa. Já no campo, elas tinham mais liberdade."
Surra de cansanção
O que mais se fala sobre Maria Quitéria foi o fato de ela ter se vestido como homem para entrar no Exército. "Só que ela, que tinha 30 anos, foi desmascarada já na primeira semana. Ela foi aprovada em razão de sua habilidade, sabia atirar muito bem. O major José Antônio da Silva Castro, avô de Castro Alves (poeta), foi quem bancou a continuidade dela no Exército.”
De acordo com Isabelle, as duas contaram com uma rede de apoio de seus respectivos comandos, uma ousadia na hierarquia militar.
Na incursão feita na Bahia para pesquisar sobre a militar brasileira, Isabelle foi até a Ilha de Itaparica, na Baía de Todos os Santos.
"Ao lado de 40 mulheres negras da ilha, elas ganham uma batalha com muita astúcia", continua Isabelle, citando Maria Felipa de Oliveira, que liderou o grupo feminino que venceu os portugueses com uma surra de cansanção (planta urticante, que produz queimaduras).
Repleto de imagens com representações das duas guerreiras, o livro traz também vídeos sobre passagens das histórias das personagens disponíveis via QR Code. Para um próximo volume, Isabelle pretende entrelaçar histórias de mulheres na área da cultura.
“REVOLUCIONARIAS”
• De Isabelle Anchieta
• Editora Planeta
• 336 páginas
• Preço: R$ 89,90 (livro) e R$ 69,90 (e-book)
SEMPRE UM PAPO
Com Isabelle Anchieta. Lançamento de "Revolucionárias". A conversa da autora com Leila Ferreira será nesta terça (16/4), às 19h30, no auditório da Cemig (Avenida Barbacena, 1.200 , Santo Agostinho). Entrada franca.