Melissa McCarthy, Jerry Seinfeld e Jim Gaffigan, em cena do filme que ironiza a indústria alimentícia e está no catálogo da Netflix -  (crédito: Netflix/Divulgação)

Melissa McCarthy, Jerry Seinfeld e Jim Gaffigan, em cena do filme que ironiza a indústria alimentícia e está no catálogo da Netflix

crédito: Netflix/Divulgação

 

Foi rindo, com certa altivez, que Jerry Seinfeld apareceu na tela do computador para falar do filme recém-lançado pela Netflix, que teve piadas concebidas com a ajuda dos "deuses da comédia", como disse, sem muito empenho. Notoriamente avesso a jornalistas, a mente por trás do hit "Seinfeld" não tinha como fugir, porém.

 


Além de ter escrito o roteiro de "A batalha do biscoito Pop-Tart", ele ainda dirigiu, produziu e protagonizou o longa, um projeto que orbita, portanto, a sua própria figura. "Se você fizer o seu trabalho bem e sem prepotência, os deuses vão te favorecer e o público vai rir. Mas você precisa pensar como um servo, não como um recipiente de glória", afirmou, ao ser questionado sobre as raízes de seu humor e sobre como concebeu as piadas da trama, que causou uma briga de lances de várias plataformas de streaming que a queriam.

 


Tudo começou com uma piada contada ao se lançar na noite de stand-up nova-iorquina, após as nove temporadas de "Seinfeld". Ele tirou sarro de uma parte importante do café da manhã de seus compatriotas, as tortinhas pré-assadas recheadas de geleia que dão nome ao filme – "tão nutritivas quanto as caixas de papel nas quais as embalam", dizia no número.

 


Distante da mesa dos brasileiros, as Pop-Tarts começaram a ser produzidas pela Kellogg's em 1964. A empresa precisava variar seu catálogo de cereais matinais e, após anos de pesquisa, conseguiu enfiar um recheio de frutas não perecível numa massa pensada para as torradeiras.

 


Convidado especial

É o primeiro grande projeto de Seinfeld em anos. Desde o sucesso arrebatador de sua série, ele colecionou créditos de maneira espaçada, sem abandonar os clubes de comédia de Nova York. No terreno da ficção, se limitou, depois de "Seinfeld", a escrever o filme de animação "Bee Movie: A história de uma abelha", sobre uma abelha que processa seres humanos por consumirem seu mel.

 

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É um tipo de humor nonsense que corre nas veias de Seinfeld e se repete em "A batalha do biscoito Pop-Tart". Mas muita coisa mudou no jeito de fazer comédia desde então, o que não o preocupa tanto. É o que ele diz, ao ser confrontado com as ameaças da patrulha cibernética e da cultura do cancelamento.

 


"Comediantes não controlam para onde a cultura vai, nós estamos lá apenas para refleti-la de alguma forma", diz. "Você não pode ser ultrassensível enquanto comediante. Se não quer rir de algumas questões culturais e estereótipos, tudo bem. Mas precisamos saber, na comédia, onde está o limite [do que é ofensivo ou não] e como brincar com ele."

 


É uma declaração que custou a sair de sua boca. Seinfeld reclamou que a reportagem estaria supostamente tentando politizar a entrevista, apesar de ele não ser do tipo que se esquiva de assuntos políticos – recentemente, viajou a Israel e reiterou seu apoio ao país em meio à espinhosa guerra travada com o Hamas.

 

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A um podcast da revista americana The New Yorker, ele disse ver a "extrema esquerda", "o lixo do politicamente correto" e "as pessoas se preocupando demais em não ofender os outros" como ameaças à comédia.

 


Assim, há em "A batalha do biscoito Pop-Tart" cenas que podem incomodar a turba da internet, como um latino-americano que é traficante de "açúcar", numa alusão à cocaína, e dois homens afetadíssimos que até o final da trama vão se descobrir gays e criar um filho juntos.

 


Mudança constante

"A cultura nos fornece uma estrutura na qual podemos trabalhar, enquanto humoristas. Sempre foi assim, desde o final dos anos 1980, pelo menos", diz Spike Feresten, corroteirista de "A batalha do biscoito Pop-Tart" e também de "Seinfeld".

 


"Em outras palavras, o que é socialmente aceitável está sempre mudando, mas é nosso trabalho decidir como surfar nessa onda, pensando sempre em fazer rir. Se há algo novo que as pessoas consideram ofensivo, nada muda para nós. Essa conversa sempre existiu."

 

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Outra face sensível do filme é sua relação com a realidade. Há muita liberdade artística no roteiro, e não houve envolvimento da Kellogg's na produção, como foi o caso da Mattel com "Barbie". Isso exigiu do departamento jurídico da Netflix atenção especial às frases e imagens que poderiam incomodar a fabricante dos Sucrilhos do Tigre Tony.

 


Seinfeld é o chamariz do elenco, dando vida ao responsável pelo setor de inovação e novos produtos da empresa. No comando dela está Jim Gaffigan, que vive um romance secreto, à la "Romeu e Julieta", com a chefona da concorrente Post, interpretada por Amy Schumer.

 


As duas companhias tentam criar um produto nos moldes do Pop-Tart e, por isso, dão início a uma guerra que envolve espionagem e sabotagem, sempre de forma exagerada e absurda. No elenco também estão Melissa McCarthy, Christian Slater, Bobby Moynihan e James Marsden.

 


"A ideia de que duas empresas estavam batalhando para criar um café da manhã retangular nos fez rir. Acho que o filme vai acabar gerando publicidade, mas isso nunca foi algo em que pensamos", diz Feresten. "O que queríamos era reunir pessoas engraçadas e contar uma história boba. O filme, para mim, é como um episódio de 'Seinfeld', mas com um orçamento muito maior." (Leonardo Sanchez, Folhapress)


“A BATALHO DO BISCOITO POP-TART”
(EUA, 2023, 93 min.) Direção: Jerry Seinfeld. Com Jerry Seinfeld, Melissa McCarthy e Amy Schumer. Classificação: 12 anos. Disponível na Netflix.