Anya Taylor-Joy, Tom Burke e Chris Hemsworth contracenam em

Anya Taylor-Joy, Tom Burke e Chris Hemsworth contracenam em "Furiosa: Uma saga Mad Max"

crédito: Warner Bros/reprodução

 

 

Nove anos depois de “Mad Max: Estrada da fúria”, o longa “Furiosa” repete o feito do anterior, com um filme de ação capaz de mostrar, numa safra de decadência do blockbuster, a beleza do cinema de espetáculo. Sim, mas de uma forma diferente.

 


Felizmente, esta é uma nova prova do talento de George Miller, responsável pela direção de todos os filmes da franquia apocalíptica iniciada no final dos anos 1970.

 

 


Mas se “Estrada da fúria” tinha textura única ao realçar pilhas de carros, explosões e muitos dublês com a pós-produção digital, aqui é evidente que muito de seus exageros, motocas e caminhões tunados nasceram pela computação gráfica.

 


Não é um problema em si. Vide todas as dificuldades dos bastidores de “Estrada da fúria”, é uma boa solução para dar vazão à criatividade do diretor conhecido por projetos megalomaníacos, quase irrealizáveis.

 


Mas também por isso nem sempre a ação tem o peso que sugere, entre lança-chamas, correntes, escopetas e toda sorte de lixo e bugigangas que voam pela tela em vez do humor físico da obra anterior, com traços da comédia de Buster Keaton.

 

 

 


Artesanato e molecagem

 

Miller, porém, compensa essas questões técnicas recorrendo à infalível linguagem cinematográfica, que, bem utilizada, divide o artesanato da molecagem.

 


Entenda-se, “Estrada da fúria” é um “tour de force” difícil de repetir. Já “Furiosa”, que gosta do olhar irado de Anya Taylor-Joy, no papel-título, tanto quanto da ação, mira uma história de formação vagarosa, que atravessa mais de uma década em cinco atos, com direito a intertítulos.

 


No mar de “prequels” incompetentes, o filme é uma boa lição de como fazer cinema relevante em séries atreladas ao mercado. É uma jornada de vingança clássica com tintas feministas e boa dose de virilidade, com sua protagonista durona raptada de um matriarcado utópico ainda criança e lançada à miséria por homens babões, deformados física e moralmente.

 


Pesa que Miller seja a cabeça por trás da obra original, e que o roteiro deste “Furiosa” estivesse pronto antes de “Estrada da fúria”, ainda que o público só tenha conhecido a personagem por Charlize Theron.

 


Nem Furiosa, nem o novo vilão de Chris Hemsworth, Dementus, são especialmente ricos. Caricatos a seu jeito, mostram as fragilidades de Miller e do roteirista Nick Lathouris na hora de transformar emoções em palavras, algo que se sente nos “voice-overs” e nos diálogos mais longos.

 


“Mad Max” sempre se beneficiou da falta de sutileza – bastam o visual e os nomes patéticos de personagens como Rictus Erectus e Scrotus para entender essa expressividade.

 


Furiosa, em particular, tira sua força do silêncio, raspando todo o cabelo, disfarçada como garoto numa sociedade de brutamontes impiedosos.

 

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Por outro lado, o que dizer do roteiro da cena em que, em alta velocidade, um caminhão-pipa cromado, recheado de armas e soldados, sofre emboscada de motoqueiros com paraquedas em formato de polvo e ventiladores gigantes nas costas para flanquear o inimigo?

 

 

São pelo menos 20 personagens batalhando sem parar apenas ao som do ronco dos motores. Poucos saem vivos da peleja em que uns dirigem e outros se escondem entre pistões enferrujados, tentam consertar o cano de combustível, desarmam dinamites ou alimentam o radiador com xixi antes de rosquear a tampa no formato de caveira.

 

 

São cerca de 15 minutos frenéticos mais difíceis de descrever que de apenas contemplar. É um encanto entender todo esse balé com jeitão de videogame. A sensação se repete em cenas como a fuga no primeiro ato e a invasão a uma fábrica de munição no final.

 


Miller, o maestro

 

Com a câmera precisa, que sabe conduzir o olho do espectador entre os cortes, Miller rege cada cena como se nos apresentasse um mapa e sua estratégia. Localiza o espectador no cenário e dá tempo para que cada ação seja capturada e decupada, em vez de abusar de cortes rápidos para mascarar defeitos e dar a falsa ideia de velocidade.

 


Falando em ritmo, o filme tem quase meia hora a mais que “Estrada da fúria” para dar conta do enredo, pavimentado em linha cronológica.

 


É um tempo bem-vindo sobretudo na primeira metade, antes da entrada de Taylor-Joy em cena. Depois, a figura de Jack, papel de Tom Burke, soldado do tirano Immortan Joe, é o ponto mais frágil da história, dividindo o papel de mentor e par amoroso de Furiosa. A relação de ambos não se desenrola e parece mais uma muleta para o conjunto.

 


O que se sobressai é o efeito mítico da opereta com coro de “monster trucks”. No curso da vingança, Furiosa crê no futuro encapsulado na semente que ganhou da mãe e protege com unhas e dentes. Já Dementus decai por acreditar nos frutos do ódio. A parada final da saga faz uma ponte com os eventos de “Estrada da fúria” e reforça o tom de lenda.

 


Assim como a gasolina alimenta os motores, Miller bebe aquilo que há de mais essencial no cinema para acender uma faísca de graça em Hollywood.

 


“FURIOSA: UMA SAGA MAD MAX”


(EUA/Austrália, 2024). De George Miller. Com Anya Taylor-Joy, Chris Hemsworth e Tom Burke. Estreia nesta quinta (23/5) em salas das redes Cinemark, Cineart, Cinesercla e Cinépolis, além do Centro Cultural Unimed-BH Minas