Makely Ka diz tratar

Makely Ka diz tratar "mais explicitamente da questão ambiental" no novo trabalho

crédito: Nadja Kouchi / divulgação

 

Com o recém-lançado álbum "Triste entrópico", o cantor, compositor, poeta e produtor cultural Makely Ka fecha um ciclo iniciado há pouco mais de 10 anos, quando partiu em uma viagem de bicicleta pelas veredas dos sertões que Guimarães Rosa percorreu.

 

 

 


Seu novo trabalho encerra a "Trilogia dos sertões", iniciada com "Cavalo motor" (2014), resultado direto de sua circulação pelos rincões de Minas, e que seguiu com "Rio aberto" (2021), um disco instrumental em que ele se dedica à viola de 10 cordas.

 

O novo álbum de Makely Ka está disponível em todas as plataformas digitais, exceto no Spotify, onde, aliás, o ouvinte vai encontrar apenas uma música de sua autoria, que ele mesmo interpreta: "Eu não estou aqui". Há outras canções de sua autoria na plataforma, mas apenas em coletâneas e trabalhos de parceiros.

 

A principal crítica que Makely faz ao serviço de streaming diz respeito à remuneração. Segundo ele, os artistas recebem "valores insignificantes, que geralmente não dão nem para cobrir a assinatura premium mensal". Também aponta falta de transparência da plataforma na questão do pagamento de direitos autorais.

 


Makely diz os três álbuns são costurados pela temática da formação da identidade brasileira. Contudo, ele aponta "Triste entrópico" como um trabalho mais denso, que se relaciona com seu primeiro disco, "A outra cidade" (2003), gravado em parceria com Kristoff Silva e Pablo Castro, embora sejam trabalhos "musicalmente muito diferentes", conforme aponta.

 


Repleto de citações, homenagens e diálogos com obras de artistas que admira – de Elomar a Guinga, passando por Chico Buarque, Marlui Miranda e Milton Nascimento –, "Triste entrópico" teve seu embrião em 2017, quando o artista gravou com Tabajara Belo os violões de base de quatro canções.

 


Ele diz que as gravações demoraram devido à densidade dos arranjos e foram entrecortadas tanto pela pandemia quanto por seu envolvimento em outros trabalhos – trilhas que compôs para cinema, teatro e ballet, textos que escreveu, publicações que organizou e produções de álbuns de outros artistas. "Ao longo desse tempo, fui adicionando camadas de sons e de sentidos no disco", diz.

 


Contando com as participações de Ná Ozzetti, Toninho Ferragutti, Antônio Loureiro e Tabajara Belo, que se somam a um time de peso de instrumentistas – Mário Séve, Yuri Vellasco, Camila Rocha, Felipe José e Marcelo Chiaretti, entre muitos outros –, "Triste entrópico" versa sobre assuntos que estão na ordem do dia. Makely destaca que o processo de feitura do álbum atravessou "todo o período barra-pesada da extrema-direita no poder". Por conta disso, ele diz, é um trabalho com letras muito duras e críticas.

 


Crítica ao "agropop"

 

"Trato mais explicitamente da questão ambiental, por exemplo. Um amigo meu, pesquisador, considera que esse talvez seja um trabalho com uma visada antropológica maior", pontua, acrescentando que trata, também, das relações entre Brasil e África e do drama vivido pelos povos originários. Outro ponto focal de "Triste entrópico" é a expansão predadora do agronegócio, colocada de maneira mais evidente nas faixas "Regresso ao agreste" e "Eu acho é pouco".

 


"Essa questão está muito presente, inclusive pela hegemonia do que chamo 'agropop', nome mais adequado do que 'música sertaneja', que conta com um investimento grande da agroindústria. O agro usa a música como uma espécie de porta-voz. A própria palavra agro é um marketing; não se fala mais em latifundiário. Os dados do IBGE apontam que o agro representa apenas 7% do PIB nacional, mas eles conseguiram emplacar o discurso de que o agro carrega o Brasil nas costas com a monocultura", afirma.

 

 


A propósito, Makely se classifica como um "pequeno produtor de música orgânica" – um conceito que procura transmitir nas palestras e oficinas sobre gestão de carreira que habitualmente ministra. "Nós nos dispomos a trabalhar sem agrotóxico, que seria o jabá. Nosso crescimento é orgânico, sem pagar robô ou fazenda de likes para gerar números. É um trabalho mais lento. Tenho plena consciência que meu público é de nicho. Meus discos têm um consumo pequeno, mas constante, que vai se ampliando", ressalta.

 


Diálogo musical

 

Com arranjos de metais escritos por Maurício Ribeiro (que morreu no ano passado, vítima de um câncer), de cordas assinados por Avelar Jr. e de garrafas afinadas com água, pífanos e flautas a cargo de Chiaretti, "Triste entrópico" traz um tipo de música que exige atenção, em razão das muitas camadas que a compõem, segundo o músico. Ele diz que é um trabalho que tem tensão, contraponto, vozes de instrumentos e letras que dialogam entre si ou com canções de outros artistas.

 


"Não é uma escuta que você vai absorver totalmente se estiver fazendo outra coisa. É um disco difícil nesse sentido, não é 'easy listening'. Os álbuns de que gosto e continuo ouvindo até hoje não são fáceis, de 'Matita Perê', de Tom Jobim, a 'Nó caipira', de Egberto Gismonti. Tem a coisa da artesania", diz, chamando a atenção para o processo de construção das faixas de "Triste entrópico".

 


"Tem a 'cama', com dois violões fazendo a trama, eu com Gustavo Souza ou com Tabajara. Daí chamei Paulim Sartori e Camila Rocha para os baixos. Depois vem a percussão, com Yuri Vellasco tocando moringas Terracota que consegui com Máximo Soalheiro, porque eu queria peso, mas não queria bateria, que encobre as sutilezas dos violões, e nem percussão convencional, de cajon ou conga. Depois da base pronta, coloco a voz e aí vêm os arranjos. E tem uma terceira camada, que são sons que a gente acrescenta no estúdio", descreve.



"TRISTE ENTRÓPICO"
• Makely Ka
• Kuarup (13 faixas)
• Disponível nas plataformas de streaming, exceto Spotify