"Inverso"; 2024 (aço inoxidável polido e madeira pintada)

crédito: Daniel Pinho/Divulgação

Para o escultor, pintor, desenhista e cenógrafo carioca Waltercio Caldas, de 77 anos, uma exposição de arte é como uma sinfonia. No lugar das notas musicais, porém, são as obras que compõem uma espécie de melodia visual. Logo, cada objeto, pintura e desenho deve estar em contínua afinação com o que está ao lado.


“São vários componentes: a relação dos materiais entre si, a variedade desses materiais e a própria arquitetura do espaço que vai receber a exposição… Podemos dizer que tudo isso são os timbres dessa sinfonia”, afirma o artista.

 
É com essa comparação que Caldas explica “Mero espaço”, sua mostra individual em cartaz na Albuquerque Contemporânea Galeria de Arte, até 20 de julho, com entrada franca – na quinta-feira (30/5), feriado de Corpus Christi, a galeria estará fechada.

 

 

 

Transitando pela escultura, pintura e desenhos inéditos concebidos ao longo dos últimos cinco anos, o artista apresenta uma série de obras que fogem da lógica convencional, propondo uma diversidade de procedimentos e linguagens. Para continuar na metáfora musical utilizada por Waltercio Caldas, é como se a mais recente exposição se aproximasse à polifonia do dodecafonismo de Schönberg e aos arranjos métricos excêntricos de Stravinsky.

 


“A arte é um processo de conhecimento que inclui também aquilo que não conhecemos”, diz ele. “Nesse sentido, digo que, quando você vê uma obra, está vendo uma coisa que não conhece. E quando isso acontece, a maioria das pessoas tende a fazer uma relação apressada entre aquilo que vê pela primeira vez e o que ela conhece”, afirma.

 

Contudo, para Cladas, o objeto de arte resiste a essa memória das outras coisas “justamente porque ele produz a sensação de que alguma coisa está sendo inaugurada ali, naquela situação”.

 

Diversos suportes

 

Estão em “Mero espaço” obras que dão ao público a sensação de ineditismo, como “Ainda não”, em que o artista amarra uma taça de vinho em suporte metálico, de modo que o cálice transparente flutue acima de cartões recortados dispostos na vertical; e “Estátua”, em que dois pequenos cubos em carrara colocados em cima de caixas de madeira sustentam linhas de aço sem nenhum formato habitual.

 


Há ainda telas que contrapõem claro e escuro, desenhos em nanquim de objetos cotidianos (jarras, livros, formas humanas e taças) e colagens, que tiram os quadros de uma situação bidimensional para transformá-los em obras tridimensionais.

 

Nessa série de colagens, o destaque fica com a tela “Oficina”, na qual Caldas retrata com diferentes materiais uma casa solitária em ambiente deserto ao lado de uma porta solta, que se abre ao infinito dentro da pintura numa forma de convite ao visitante a pensar nos caminhos que a arte vem traçando.

 

“O objeto original não é uma imagem, ele é uma coisa em si”, resume Caldas. “Esse caminho ilusório com o qual esse objeto tridimensional passa até se transformar em ‘notícias de uma aparência’ (termo que o artista usa para se referir à representação imagética de um objeto tridimensional) me interessa muito. Estamos falando da história das imagens, das representações e de como elas se transformaram ao longo do tempo. Hoje em dia, com o Instagram, tem artista dizendo que faz obras mais instagramáveis que outras”, critica Caldas.

 

Há um aspecto positivo nisso, porém. Conforme a pintura foi se desenvolvendo de maneira mais abstrata depois do surgimento da fotografia, as próprias redes sociais podem servir como motivação para artistas apostarem em novas direções em suas obras.

 


“Mas não sei o quanto isso pode ocorrer de fato”, pondera Caldas. “Acredito que os artistas, no momento, estão utilizando esses recursos (novas tecnologias) de forma muito infantil e muito primária. Estão fetichizados pela imagem reproduzida em terceira dimensão.”

 

Além disso, “as primeiras experiências que se faz com as coisas novas são retrógradas. Lembro, por exemplo, que quando os artistas começaram a fazer videoarte, comecei a perceber que, junto com a videoarte, eles passaram a se tornar naturalistas, porque acreditavam na questão da imagem de uma forma que, depois de Cézanne (1839-1906), não se acreditava mais. Se por um lado tem um avanço tecnológico, por outro tem um recuo semiótico”, conclui.


“MERO ESPAÇO”


Exposição individual e inédita de Waltercio Caldas. Em cartaz na Albuquerque Contemporânea Galeria de Arte (Rua Antônio de Albuquerque, 885, Savassi) até 20 de julho. De segunda a sexta-feira, das 10h às 19h; sábados, de 10h às 13h30. No feriado de Corpus Christi, a galeria estará fechada. Entrada franca.