Neusa Borges faz o papel de avó e Cíntia Rosa o da mãe de Léo; trama retrata periferia solidária e sustentada por mulheres -  (crédito: Mariana Vianna/Divulgação)

Neusa Borges faz o papel de avó e Cíntia Rosa o da mãe de Léo; trama retrata periferia solidária e sustentada por mulheres

crédito: Mariana Vianna/Divulgação

 

Um território dominado pelo crime e pela violência é a imagem mais comum das periferias brasileiras que se vê no cinema nacional. Entre os exemplos de longas cujas tramas se desenvolvem em comunidades periféricas estão os muitíssimo bem-sucedidos “Cidade de Deus” (2002), de Fernando Meirelles e Kátia Lund, que teve quatro indicações ao Oscar, e “Tropa de Elite” (2007), de José Padilha, que venceu o Urso de Ouro em Berlim.

 


É outra faceta da periferia que se vê em “A festa de Léo”, de Gustavo Melo e Luciana Bezerra, cuja trama se desenrola na favela do Vidigal, no Rio de Janeiro. No filme que estreia nesta quinta-feira (30/5) em Belo Horizonte – com uma sessão diária no UNA Cine Belas Artes – a solidariedade entre vizinhos e o empenho de uma mãe em proporcionar uma festa de aniversário ao filho são colocados em primeiro plano.

 


“Existe um orgulho muito grande em mostrar uma face da favela que é poucas vezes vista no audiovisual”, afirma a diretora Luciana Bezerra. “A partir de ‘Cidade de Deus’, vários filmes que se passam em comunidades foram feitos com temáticas centradas na violência e no tráfico de drogas. É claro que essas questões existem, mas a periferia não pode ser reduzida a elas”, observa.

 


Luciana é, ela própria, moradora do Vidigal. Ciente das dinâmicas do morro, o cenário e seus personagens são apresentados com a familiaridade de alguém que está em casa. “Temos 47 atores em cena. É muito difícil para mim fazer um filme com apenas um ou dois personagens. Não faz parte da minha vivência. Quando olho pela janela, é só ‘muvuca’. Vejo o baile, o mercado e o metrô. Somos e estamos cercados pelo povo”, diz.

 

O ator Arthur Ferreira em cena do longa A festa do Leo

Produzido pelo Nós do Morro e filmado no Vidigal, filme tem elenco formado por atores da comunidade, incluindo o protagonista

Mariana Vianna/Divulgação


Este é o primeiro filme produzido pelo grupo Nós do Morro, associação de teatro do Vidigal que formou artistas como Babu Santana. O ator, inclusive, integra o elenco formado em grande parte por vidigalenses e membros do grupo teatral.

 


“No filme, interpretei com amigos de infância com quem tenho muita sintonia e intimidade. O set se transformou em um espaço de reencontro, porque são três gerações do Nós do Morro contracenando juntas. A amizade dos personagens que vemos na tela é real”, diz a atriz Cintia Rosa, que interpreta Rita, a mãe de Léo.

 


Rita é uma vendedora ambulante do Vidigal que deseja comemorar os 12 anos do filho Léo (Arthur Ferreira), com uma festa. No dia da celebração, contudo, ela percebe que o dinheiro economizado durante meses para viabilizar a festa foi roubado por Dudu (Jonathan Haagensen), seu marido e pai de Léo.

 


Dudu é dependente químico e acumulou uma dívida perigosa com os moradores do Vidigal, que as economias para a festa não são suficientes para saldar. Diante da nova circunstância, Rita precisa tentar obter dinheiro o bastante para pagar a dívida do marido, cuja vida está em risco – e ela tem menos de 24 horas para isso.

 


As ações do longa transcorrem em um único dia, no qual Rita enfrenta momentos de muita tensão, mas não só. No retrato que faz das relações cotidianas entre os membros da comunidade, “A festa de Léo” descortina uma periferia marcada pela solidariedade e sustentada por diferentes gerações de mulheres.

 


“A mulher preta da favela não tem a opção de ter uma empregada para ajudar em casa, nem tem a opção de não sair para trabalhar. Muitas vezes essa mulher tem que deixar o próprio filho para ir cuidar do filho da patroa. A mulher pobre só pode contar com a rede de apoio feminina que tem por perto”, diz Cíntia Rosa. “Sempre falo que os filhos das mulheres da favela são criados por diversas mulheres. Tem sempre uma vizinha, avó, tia e prima com quem podemos contar.”

 


Seja a vizinha para quem Rita se volta para conseguir encontrar Dudu, ou as amigas e parentes com quem pode contar no momento de incerteza financeira, são as mulheres que apoiam umas às outras na trama.

 


Embora pareça ser de uma solidez invencível na função de pilar da família, Rita, a dado momento, confessa: “Estou cansada de ser forte.”

 


“Infelizmente, a mulher ainda é vista como alguém que precisa fazer tudo e dar conta de tudo. Só que ninguém quer ser forte o tempo inteiro. A imagem da mulher super-heroína já se desgastou. No caso da Rita, a jornada para sobreviver, para comer, para colocar o filho na escola e lidar com o pai que deixou a família totalmente desestabilizada é exaustiva”, diz a atriz.

 


A diretora Luciana Bezerra define o filme como “uma declaração de amor”. Endereçada, segundo diz, “não só às mulheres do lugar onde eu vivo, mas às mulheres brasileiras, que eu tenho visto sustentar a base da pirâmide social deste país por muito tempo e com pouco louro”.

 


“Ao mesmo tempo, é também uma homenagem à favela em que vivo, de onde sai a história do filme. No cinema, quero que as pessoas sejam jogadas para dentro do meu Vidigal.”

 


“A FESTA DE LÉO”
(Brasil, 2023, 86 min.) Direção: Gustavo Melo e Luciana Bezerra. Com Cíntia Rosa, Jonathan Haagensen, Arthur Ferreira. Estreia nesta quinta-feira (30/5) no UNA Cine Belas Artes (Sala 3, 15h50).


*Estagiária sob supervisão da editora Silvana Arantes