Parceria de Ná Ozzetti e Luiz Tatit, companheiros no Grupo  Rumo, oferece novos caminhos à melodia e à canção -  (crédito: Gal Oppido/divulgação)

Parceria de Ná Ozzetti e Luiz Tatit, companheiros no Grupo Rumo, oferece novos caminhos à melodia e à canção

crédito: Gal Oppido/divulgação

 

 

Nunca a vanguarda foi tão soft como no Grupo Rumo. Jamais estranhamento e delicadeza foram tão íntimos como nas canções de Luiz Tatit, nome central do cancioneiro paulistano nos últimos 40 anos.

 


Oriunda do Rumo como Tatit, Ná Ozzetti tornou-se a voz principal dessa poética, “a alma que o corpo conduz”, como ela canta no novo álbum “De lua”, em que assina também como compositora das 10 faixas, todas em parceria com Tatit.

 

 

 


O experimentalismo da dupla – totalmente fiel ao estilo que consagrou o grupo – não está em um “mais”, mas num “menos”, o que torna complexo até mesmo utilizar de forma estanque categorias como “música” e “letra”.

 


Se é que é possível recuperar de algum modo as etapas do processo criativo dessas parcerias, há, da parte de Ná, a intenção de entoação – proposição sonora horizontal, capaz de ocupar espaço tênue entre a fala e a melodia, segura de si.


Artesanato sonoro

 

Do lado de Tatit, há a leitura fraseológica desse gesto sonoro, que busca por palavras e trechos de frases para construir sentidos, igualmente incompletos e provisórios.

 


Tão incertos quanto o gráfico sonoro das alturas – as notas desse canto-fala-coloquial – são os temas da poesia de Tatit. Sua escrita não segue a lógica consequencialista do poema, mas contenta-se com o puro engendramento: tal como uma fala relaxada e relapsa, pode fracassar, se repetir, mudar de ideia no meio, ou simplesmente viajar ludicamente por imagens e palavras – tal como amigos numa conversa despretensiosa.

 


Daí que suas personagens sejam naifs: como a maioria de nós quando na informalidade, elas gostam de expressar o óbvio, usam o humor para descontrair e fazem generalizações por brincadeira.

 

 


Em “Se você aparecer”, que abre o álbum, uma dessas personagens parte de uma constatação: “Nunca vi o amor no formato que ele tem”. Poderia ser a mesma pessoa que, em “De lua”, a faixa título, sentencia: “Acho a lua meio zen/ Lua cheia é tão vazia/ Ela é boa pra poesia/ Mas nem ser humano tem”.

 

 


Jamais se poderia dizer que esse jogo construtivo afasta de si o reflexo da realidade social: ela está sempre lá, na cidade e no campo. A cidade está em “Boa ideia”, enquanto que “a fauna, a flora e as histórias dos tupinambás” estão em “Miolo”.

 


Nessa poética da “carência sem culpa”, sobra, no entanto, algo que não deixa “De lua” atingir sua plenitude: se o próprio Tatit nos ensina que a estrutura fundamental da canção é revelada pela palavra cantada, para que ela se materialize é preciso adicionar outras dimensões musicais, como o ritmo e o acompanhamento harmônico.

 


Realizado por músicos experientes, esse acompanhamento parece ter sido construído de forma um tanto apressada, o que nos dá uma sensação de excessiva padronização.

 


Não que Ná e Tatit – admiradores da Jovem Guarda – tenham problemas com isso, mas, sobretudo a cozinha rítmica, a relação entre baixo e bateria, às vezes parece pairar um tanto descolada das canções em si.

 


Nesse sentido, a versão de “Dengo” surge menos interessante em “De lua” que a original, gravada no álbum do Rumo (“Universo”, 2019).

 


Mas até o excesso, ele mesmo, está tematizado no álbum (na canção “Et cetera”): “Nada nesse mundo eu jogo fora/ Até quando a vida enfim melhora/ Guardo um pedacinho da indignação/ Quero ter o que faltou/ Por não dizer”.


Canto espetacular

 

E a sobra pode ser igualmente bem-vinda, como no canto de Ná, que está no auge total, ainda agregando à voz solo vocais virtuosísticos espetaculares.

 


Tema caro a Tatit, o artesanato composicional também aparece expresso no álbum, como em “Batuqueiro” (“Quanta previsão a melodia faz/ Quantas intenções ela anuncia”).

 

 


“De lua” chega a si, afinal, na última faixa: a versão de “Equilíbrio” é para se acrescentar às canções antológicas selecionadas para playlists de Ná e Tatit.

 


Vertiginosa na concepção e na realização, ela surge aqui com as vozes sobre o solitário violão de Tatit, que sustenta e reage em tempo real ao canto entoado: “Não adianta puxar/ Não adianta empurrar/ Não adianta tentar me paralisar”.

 


Nessa performance de “Equilíbrio”, Ná Ozzetti e Luiz Tatit apontam para o futuro – mesmo que seja a semana que vem. (Sidney Molina)

 


“DE LUA”


• Álbum de Ná Ozzetti e Luiz Tatit
• Circus
• 10 faixas
• Disponível nas plataformas digitais