A margem e a periferia estão no centro da exposição “Bordas não brotam do nada”, do fotógrafo Daniel Moreira, que abre, nesta quarta-feira (1º/5), o calendário 2024 da Galeria de Arte do Centro Cultural Unimed-BH Minas. A mostra reúne 44 imagens, coloridas e em preto e branco, em formatos variados, produzidas a partir de 2009, e também uma instalação em vídeo inédita, feita de forma comissionada para a exposição.

 




Produzidas no Vale das Ocupações, na região do Barreiro, em Belo Horizonte, e na BR-381, no trecho que liga Minas Gerais a Espírito Santo e Bahia, as imagens revelam paisagens e pessoas que estão à margem dos grandes centros comerciais.

 

O fotógrafo e mestre em comunicação Eder Chiodetto, que assina a curadoria, dispôs os trabalhos na altura do olhar dos visitantes, de forma a promover uma experiência de interação entre o espectador e os personagens registrados por Moreira.

Olhos nos olhos


“Os retratos olham de frente para quem os aprecia, é quase uma conversa em silêncio”, diz o artista. Ele explica que o conjunto reunido em “Bordas não brotam do nada” – com imagens extraídas do livro homônimo, lançado no ano passado – é uma síntese de sua carreira ao longo de 15 anos de produção. O curador propôs uma seleção de fotografias que dialogam entre si, a despeito de terem sido produzidas em épocas, locais e situações distintas.

 

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“De 2009 até este ano, desenvolvi várias séries. Para o livro e para a exposição, decidi que não queria mais segmentar”, afirma o fotógrafo. Ele destaca que há um ponto de convergência e uma estética construída que permitem dissolver as fronteiras entre os diferentes trabalhos a que se dedicou no período, como “Paisagem ambulante”, em que capturou a vida às margens da BR-381, “Catadores”, focada em carroceiros que atuam na periferia, e “Sob o mesmo céu”, realizado em ocupações urbanas.

 

O fotógrafo diz que a exposição "fala da vida, tem mais uma questão humana do que de embate ou crítica"

Daniel Moreira/Divulgação

Almoço com Januária

Essa estética construída de que fala passa pelas dinâmicas de convivência social nas bordas das grandes cidades. “A mostra segue essa linha, mas não num sentido de denúncia ou de enfrentamento. É uma exposição que fala da vida, tem mais uma questão humana do que de embate ou crítica”, diz Moreira. Mesmo a obra comissionada se insere nessa perspectiva: o espectador é convidado a “almoçar” com a personagem que filmou, dona Januária, moradora de uma ocupação urbana.


“Tudo tem a ver com a ideia de convivência com o próximo, de pensar as relações entre centro e periferia. Se você não paga a conta de luz, significa que você não existe? Essas pessoas que estão ali, nas bordas, fazem a cidade girar. São entregadores, trabalhadores braçais, garis, ambulantes, gente que, de certa forma, não é reconhecida como parte atuante das relações complexas que se estabelecem nas grandes cidades”, afirma.


Ele destaca que, na mostra, tudo converge na margem e na luta por uma sobrevivência digna, o que traz a reboque as possibilidades de relações humanas. “É um conjunto em diálogo. Apesar de terem sido concebidas como séries separadas, existe esse conceito que as atravessa. Não por acaso, o curador diz que a principal questão é essa: ‘a borda é o centro’. É algo que tem que ser discutido, não dá mais para tratar as comunidades periféricas como se não fossem um assunto central”, diz.


Interesse natural

Moreira diz que seu interesse pelas bordas é natural. As séries produzidas ao longo de 15 anos nasceram de imagens ou situações que o impactaram e suscitaram reflexões. “A gente interioriza esses estímulos e depois devolve para o mundo em forma de arte. Costumo trabalhar com coisas que me afetam visualmente.”

 

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Ele cita como exemplo “Paisagem ambulante”, com as comunidades que moram ao longo da BR-381. “Quando me casei, minha esposa morava em Ipatinga. Por conta disso, comecei a viajar rotineiramente. Como é uma rodovia em que frequentemente acontecem acidentes, eu ficava muito tempo parado, daí comecei a me atentar para aquela vida que pulsa nas margens da estrada”, comenta, ressaltando que é interessante pensar em “vida que pulsa”, já que a BR-381 é conhecida como “rodovia da morte”.


No caso das ocupações urbanas, trata-se de um contexto em que está inserido. “Faço parte da diretoria da ONG Viaduto das Artes, no Barreiro, então convivo com o pessoal das ocupações de lá. Nesse caso, é algo mais próximo, mas uma hora são as pessoas que lutam por moradia digna, outra hora são os andarilhos na estrada e, de repente, num outro momento, são os catadores de material reciclável. As coisas vão se interligando. Quando sinto que uma situação ou um assunto me interessa, passo a conviver com isso”, diz.


Opção pelo filme

Nas séries que produziu, Daniel Moreira optou por trabalhar com filme, por considerar que, assim, tem mais tempo para pensar no que está realizando. Como se trata de uma produção mais lenta, ele consegue desenvolver relações mais próximas com os personagens que fotografa. “Quando se trabalha com pessoas – nessas situações de vulnerabilidade, sobretudo – tem que existir algo mais do que simplesmente tirar a foto. Ela é só a parte final de um convívio”, diz.


“BORDAS NÃO BROTAM DO NADA”
Exposição do fotógrafo Daniel Moreira, a partir desta quarta-feira (1º/5) até 30/6, na Galeria de Arte do Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes – 31.3516-1360). Visitação de terça a sábado, das 10h às 20h; domingos e feriados, das 11h às 19h. Entrada franca. Classificação: livre.

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