Diretor de “Cidade de Deus” e outros filmes de repercussão internacional como “Dois papas” e “Ensaio sobre a cegueira”, o brasileiro Fernando Meirelles estreou nas séries norte-americanas com a responsabilidade de comandar produções encabeçadas por dois grandes astros. Em “Sugar”, disponível na Appletv+, ele dirigiu o irlandês Colin Farrell. Já em “O simpatizante”, produção da HBO/Max, foi a vez de Robert Downey Jr, vencedor do Oscar de melhor ator coadjuvante por “Oppenheimer”. Nos dois trabalhos, recebeu elogios pela forma diferenciada que conduziu o set, conferindo maior liberdade aos intérpretes.

 


Em entrevista ao Estado de Minas, o cineasta conta como foi a experiência de dirigir Downey Jr. no episódio de “O simpatizante” que será veiculado neste domingo (5/5). Na série, um thriller de espionagem baseado no livro homônimo de Viet Thanh Nguyen, o astro interpreta diversos personagens. “O cara é muito criativo e inventivo. Em cada cena ele entregava maneiras diferentes de dar o texto. Enfiava cacos, surpreendia e provocava os atores com quem estava atuando”, revela o diretor brasileiro.

 

 



 


Meirelles também falou sobre a produção da série “Cidade de Deus”, com os mesmos personagens do filme que ele dirigiu em 2002 com Katia Lund, e como ficou o desejo de mais de duas décadas de fazer uma adaptação audiovisual de “Grande sertão: Veredas”. Leia, a seguir, a entrevista do cineasta de 68 anos, que inicia em breve no Rio de Janeiro as filmagens do longa-metragem “Corrida dos bichos”.

 


O que foi mais marcante na direção de um episódio de “O Simpatizante”? O que fez de diferente em relação a “Sugar”?


O meu episódio de “O Simpatizante” era muito mais complexo do que os de “Sugar”. O personagem vai para o set de um filme de guerra. Então, fora a história dele, há os bastidores desta filmagem, e o próprio filme cuja história se passa no Vietnã, com aviões, explosões, ataques, sangue, soldados armados. Filmei “Sugar” com tempo sobrando, mas em “O simpatizante” foi uma correria sem fim. Precisaria de 18 dias para filmar, o que seria muito rápido mesmo assim, mas tive apenas 15. A sensação é que eu estava sempre sendo atropelado pelo relógio. Algumas cenas poderiam ter mais cobertura.

 

 

Como foi a experiência de dirigir Robert Downey Jr.?


O Robert faz um diretor de cinema rodando este filme sobre o Vietnã – Coppola? (provável referência a “Apocalypse now”) – e o quer fazer muito autêntico. Mas os americanos não são muito bons em ver o mundo sem ser pela própria ótica e na qual os protagonistas das histórias não sejam eles mesmos. O episódio é uma comédia e faz piada com isso, a incapacidade dos americanos de verem o mundo com outras lentes que não a deles.
Trabalhar com Robert foi o ponto alto. Ninguém é um astro por acaso. O cara é muito criativo e inventivo. Em cada cena ele entregava maneiras diferentes de dar o texto. Enfiava cacos, surpreendia e provocava os atores com quem estava atuando. Impossível contracenar com ele se não estiver muito ligado. Com ele no set era sempre diversão garantida. Nos demos muito bem e nos despedimos prometendo que tentaríamos achar algum outro projeto para rodarmos juntos. Isso nunca vai acontecer, mas ao menos indica que o processo foi muito prazeroso para os dois lados.

 

Sobre a série “Sugar”: em entrevistas recentes, os atores Colin Farrell e Amy Ryan disseram que a sua forma de trabalhar no set, com o fotógrafo Cesar Charlone, é bem diferente de outros diretores, porque você é muito mais colaborativo, estimulando improvisação. Qual é a principal diferença?


A diferença principal é que eu não decupo cenas em partes de acordo com a posição de câmera. Fazia-se assim quando rodava-se com negativo, que é caro. Hoje não custa nada rodar planos mais longos, mas nas escolas continuam ensinando a fazer como sempre fizeram. Eu monto a cena na locação, como uma peça de teatro, e depois rodo do começo ao fim. Mudo a posição da câmera e faço de novo de ponta a ponta. Às vezes faço uma cobertura se precisar. Com isso os atores não ficam esquentando e esfriando a cada mudança de câmera.
A outra diferença é não usar equipamento de luz no set. Com as lentes modernas, muito sensíveis, uma cena pode ser iluminada só com as luzes que fazem parte do cenário. Luzes práticas, como chamamos. Isso dá aos atores muito mais liberdade para se movimentar. Onde eles estiverem estão bem para a luz. Essa liberdade é o que eles gostam.

 

 

Qual o seu envolvimento com a série “Cidade de Deus”, que está em produção? Se boa parte do elenco volta, por que o diretor não vai voltar também?


Dei a ideia inicial, que é o próprio filme. Os personagens são os mesmos, mas 20 anos depois do fim da história do longa. Dei palpites no roteiro e nas montagens, mas, de fato, o projeto é do Aly Muritiba e da minha sócia Andrea Barata Ribeiro. A série está espetacular, e me sinto à vontade para elogiar pois a minha responsabilidade nisso é deles.

 

Vinte anos atrás, você disse que gostaria de filmar “Grande sertão: Veredas”, mas não estava preparado. E agora?


Preparado para aquela história eu nunca estarei. Quem estaria? Mas também nem tenho mais tanto tempo para ficar enrolando. O Guel Arraes vai lançar a sua versão do “Grande sertão”, daqui a uns três anos poderia ter outra. Mas só estou falando, não há nada programado.

 


“O SIMPATIZANTE”


• Série em sete episódios criada por Don McKellar e Park Chan-Wook. Com Hoa Xuande, Sandra Oh e Robert Downey Jr. Disponível no canal HBO e no streaming Max. O episódio 4, dirigido por Fernando Meirelles, será exibido neste domingo, às 22h.

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